A CAPOEIRA NO CEARÁ

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

A CAPOEIRA NO CEARÁ

Carlos Magno Rodrigues Rocha

Fortaleza - Ce
2006

Monografia apresentada ao Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará, para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais.

Orientadora: Profa. Dra. Simone Simões Ferreira Soares.

Esta monografia foi submetida à Coordenação do Curso de Ciências Sociais, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Graduado em Ciências Sociais, outorgado pela Universidade Federal do Ceará – UFC e encontra-se à disposição dos interessados na Biblioteca da referida Universidade.

A citação de qualquer trecho desta monografia é permitida, desde que feita de acordo com as normas de ética científica.

Professor Doutor Ismael de Andrade Pordeus Júnior
Banca Examinadora
Professora Doutora Peregrina Capelo Cavalcante
Banca Examinadora



A Deus Pai que sempre esteve do meu lado, dando-me forças para conseguir superar os momentos de provações e dificuldades e a quem tenho entregado minha vida.

AGRADECIMENTOS

Ao meu avô, Antônio Modesto, que me ensinou o caminho do bem.
À minha avó, Maria Euri (in memoriam) que me protege, sempre.
À minha mãe, Maria do Carmo, e meus irmãos, Caio e Cássio, pela energia positiva e pelo apoio moral.
Aos meus tios, Paulo e Aurileda Barreira por acreditarem no meu potencial e nos meus sonhos.
Aos meus filhos, Enzo e Iago que são a fonte da minha inspiração.
À minha orientadora Simone Simões, uma pessoa brilhante que com maestria, competência e paciência ajudou-me a finalizar este trabalho.
Aos Professores Dr. Ismael Pordeus Júnior e Dra. Peregrina Capelo Cavalcante pela grande honra de fazerem parte da Banca Examinadora.
Aos mestres, professores e amigos de Capoeira, especialmente Professor J.B., Professor Zerivan, Mestre Ratto, Professor Armandinho, Mestre Dingo e Mestre Simpatia e que colaboraram valiosamente para a elaboração desta monografia.
E todos aqueles que contribuíram de alguma forma para a realização deste meu sonho.

Certa vez
Perguntaram a seu Pastinha
O que era a Capoeira
E ele
Mestre velho e respeitado
Ficou muito tempo calado
Revirando em sua alma
Depois
Respondeu com muita calma
Em forma de ladainha
Capoeira
É um jogo, é um brinquedo
É se respeitar o medo
É dosar bem a coragem
É uma luta
É manha de mandigueiro
É um vento veleiro
É um gemido na senzala
É um corpo arrepiado
É um berimbau bem tocado
Um sorriso de menininho
Um vôo de passarinho
O bote da cobra coral
Sentir na boca
Todo gosto do perigo
É sorrir para o inimigo
O apertar de sua mão
É o ódio
É a esperança que nasce
Um tapa explodir na face
Vai doer no coração
É um grito de Zumbi
Ecoando nos quilombos
É se levantar do tombo
Antes de cair no chão
É aceitar um desafio
Com vontade de lutar
Capoeira é um navio
Solto nas ondas do mar
Capoeira é um barquinho
Solto nas ondas do mar...

SILVA, 1993, p.234).

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO
1 ORIGEM E REALIDADE DA CAPOEIRA
1.1 Definição e História
1.2 O jogo
1.3 A Cantiga
1.4 Ascensão social e cultural da Capoeira
1.4.1 A Capoeira na Literatura
1.4.2 A Capoeira na Música Popular Brasileira
1.4.3 A Capoeira no Cinema e no Teatro

2 ESPECIFICIDADES DA CAPOEIRA
2.1 Capoeira Angola e Regional
2.1.1 Capoeira Angola
2.1.2 Capoeira Regional

3 UMA INSTITUIÇÃO SOCIAL
3.1 A Capoeira – Um processo de estágio
3.2 A Fundação Água de Beber

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



INTRODUÇÃO


O meu interesse pela Capoeira surgiu em 1987 quando eu tinha 13 anos. Cursava a sétima série e ouvia o som da Capoeira e instrumentos quando acompanhava um amigo no seu treino de judô. Do lado do espaço de judô, num lugar aberto com uma cobertura alta, uma espécie de galpão, estava dezenas de pessoas, homens e mulheres, crianças, jovens e adultos, todos cantando e dançando num clima de muita alegria e muita agilidade.

Na época, eu precisava praticar um esporte de combate pois muitos dos meus amigos faziam judô ou karatê e eu era freqüentemente confrontado no colégio. Mas, meu desejo de jogar Capoeira teve que ser adiado pois meus familiares não concordavam com a prática de um esporte estigmatizado com a idéia de violência, pobreza e negritude.

Somente em 1995, quando comecei a estagiar, então pude praticar o esporte pois tinha como pagar do próprio bolso. O grupo que eu havia visto treinar no colégio era a Capoeira Brasil puxado pelo Mestre Paulão.

Em 1995 comecei a treinar na Escola Brasileira de Capoeira, na época dirigida pelo Mestre Marrom. Meu professor era o Gasparzinho que ministrava seus treinos no Espaço Rossana Pucci, localizado na avenida 13 de Maio. Cerca de seis meses depois o professor Gasparzinho resolveu mudar de grupo e foi pedir oportunidade para treinar no Grupo Abadá que era dirigido pelo Mestre Dingo. Problemas com relação aos estudos levaram o professor Gaspar a se afastar da Capoeira. Então, cada um de seus alunos seguiu um caminho diferente.

O primeiro ano de Capoeira foi muito empolgante e eu não queria parar. Treinar com o Grupo Abadá era uma opção mas ficava muito distante da minha casa o que tornava muito dispendioso tanto de tempo quanto econômico. Estava no segundo ano do Curso de Ciências Sociais, com 22 anos de idade e alguns alunos se reuniam depois das aulas para bater papo, se conhecerem, combinar algumas coisas, estudar, tocar, cantar e eventualmente fazer uns movimentos de Capoeira.
Então, quase todos os dias, após as aulas havia uma reunião e uma brincadeira de Capoeira. Alguns alunos se interessavam em aprender e outros se propuseram a ensinar o que sabiam. Zerivan, que na época treinava intensamente com o Grupo Raízes da Terra, do Mestre Assis, começou a puxar os treinos. Conhecido como professor Ganga Zumba, o atual doutorando Zerivan passou vários meses dando aula para nós todos. Sempre ao meio-dia, numa das salas do 2º andar do bloco das Ciências Sociais , onde hoje funciona o Curso de Filosofia da UFC.

No período de férias de fim de ano, em 1998, nossas aulas de Capoeira acabaram, mas a Capoeira não pode parar e tivemos que procurar outro local para os treinos. Uma das pessoas que treinavam conosco era o João Batista, calouro do Curso de Educação Física, motivado a continuar as aulas que Ganga Zumba não pôde mais priorizar, pois além do Curso de Ciências Sociais ele ainda dava aulas à noite para dezenas de crianças e jovens na Vila Manoel Sátiro.

O professor João Batista, J.B., ou também conhecido pelo vulgo de “Xanha” nos convidou então a dar continuidade aos treinos no “Espaço Cidadão do Mundo” administrado pelo André Alkmin Cavalcante (atualmente mestrando em Ciências Sociais). Os treinos passaram a ser às 19:00 o que deu uma nova configuração àquela brincadeira de Capoeira.

As aulas no Espaço Cidadão do Mundo não iniciaram imediatamente, depois das aulas nas salas de Ciências Sociais o que me levou a procurar o Mestre Dingo e pedir para treinar com ele, onde permaneci pouco mais de dois meses quando comecei a treinar com o professor Xanha. Por ser um aluno do Curso de Educação Física, JB criou um projeto de Arte-Educação com o objetivo de ensinar Capoeira dentro da Universidade, posto que o Espaço Cidadão do Mundo estava prestes a fechar.

Nascia então o Centro Universitário de Capoeira, conhecido simplesmente por “Cuca”. O projeto de Capoeira na Universidade tinha um apelo forte pois além do alto nível das instruções, das noções pedagógicas, dos objetivos e teorias científicas, das instalações com espelhos e iluminação privilegiadas, era gratuito. Por ser dentro da Universidade o Grupo Cuca recebia a visita de muitos bolsistas estrangeiros e dos mais diversos Grupos de Capoeira de Fortaleza. No período de 1998 a 2001, treinei no Cuca e no Abadá, então por seis meses fiquei lá e cá vivendo e respirando Capoeira até receber minha primeira e única corda, a corda amarela, que é a segunda graduação do Grupo Abadá.


Foto: Magno Rocha

Foto 01 - Centro Universitário de Capoeira – Cuca – UFC

A sede do Abadá funcionava próximo ao Ginásio Paulo Sarasate bem mais perto da minha casa. Motivos pessoais me afastaram da Capoeira e quando voltei em 2002 foi para treinar uma Capoeira diferente, a mágica Capoeira Angola. Todos os Grupos que havia conhecido até então praticava dois estilos de Capoeira, a Capoeira Regional e a Capoeira Angola, mas bem mais tarde descobri que a Capoeira Angola era outra coisa e que a Capoeira Regional também era bem diferente do que eu conhecia.

Até começar a treinar no GCAP, o Grupo de Capoeira Angola Pelourinho, eu não sabia o que era Capoeira Angola. Minha hipótese era de que Capoeira Angola é aquela Capoeira jogada, mais lenta, mais música, com movimentos mais rasteiros e uma cadência mais melódica. À primeira vista é isso mesmo, mas a Capoeira Angola tem ares de religião, tem ritos específicos e rigorosos, que na seqüência desse trabalho serão abordados.


Foto: Magno Rocha

Foto 02 – Grupo de Capoeira Angola Pelourinho – GCAP – Fortaleza

Treinei Capoeira Angola por quase dois anos e parei em 2003. Tive a oportunidade de visitar a sede de GCAP em Salvador, Bahia e foi lá que percebi que em Fortaleza não havia Capoeira Angola e tão pouco Regional. Em Salvador visitei várias Academias e Escolas de Capoeira, inclusive a Escola do filho do criador da Capoeira Regional, Mestre Nenéu, filho do Mestre Bimba.

A relevância do tema proposto reside no fato de descrever as especificidades do fenômeno social da Capoeira no Ceará. Na conversa que tive com Mestre Nenéu, durante um treino de Capoeira, chamei sua atenção para as peculiaridades da sua Capoeira, em comparação com a sua experiência em Capoeira Regional. Ele me explicou que o que eu chamava de Capoeira Regional era na verdade uma adaptação do estilo criado por seu pai, que era a luta regional baiana que era bem diferente da que ele chamou de Capoeira Contemporânea.

Para mim, isso foi uma revelação, uma desconstrução. Então tudo que eu conhecia por Capoeira Regional estava se reconfigurando. Estava acontecendo de novo o que aconteceu quando fui ao primeiro treino de Capoeira Angola. Agora eu tinha no Universo da Capoeira não apenas 2 (duas) modalidades, mas 3 (três), onde esta terceira modalidade de Capoeira estava dividida em outras tantas categorias ou estilos de Capoeira quanto eu poderia descrever.

Mediante tal revelação, a problemática da pesquisa a ser desenvolvida baseia-se nos seguintes questionamentos:

Quais as diferenças da Capoeira Angola e Capoeira Regional, nos dias atuais?

Existe algum tipo de rivalidade entre os Grupos de Capoeira?

De que forma se distribui espacialmente os Grupos de Capoeira em Fortaleza?

Nesse contexto, o objetivo desse estudo trata de averiguar a realidade social, econômica e política em que se desenvolve este curioso fenômeno social – a Capoeira no Ceará. Para o alcance do objetivo proposto adota-se um método de trabalho fundamentado numa revisão bibliográfica com enfoque no ritual, hierarquia e linhagem da Capoeira, além de uma pesquisa de natureza descritiva instrumentada por meio dos questionamentos acima citados, dirigida aos Mestres de Capoeira e capoeiristas, no intuito de identificar as particularidades da Capoeira, uma vez que, do ponto de vista cultural, é uma instituição social, ou seja, produto da cultura.

A coleta de dados da pesquisa realiza-se na medida em que os contatos vão surgindo por meio das falas dos entrevistados. Na realidade, essa pesquisa inicia-se desde quando comecei a praticar Capoeira e sobretudo, durante o meu estágio na Fundação Água de Beber, pois entende-se que a possibilidade de participação no grupo a ser investigado apresenta pontos imperceptíveis que o olhar de fora dificilmente seria capaz de captar. Os relatos do cotidiano, a transcrição das histórias de Mestres da Capoeira e capoeiristas permite ao pesquisador reconstituir a fala dos informantes, destacando a aura temática na seqüência desse estudo que se encontra dividido em três capítulos: origem e realidade; especificidades da Capoeira e a Capoeira da Fundação Água de Beber.

As dificuldades da pesquisa repousam na falta de logística do pesquisador que fizeram com que este estudo monográfico se resumisse a poucas fontes, que se não fornecer aspectos quantitativos, pelo menos, apresenta grandes contribuições qualitativas ao seu conteúdo.

Desde 2002 juntando referências bibliográficas para o tema deste trabalho, ele culmina com uma exposição dos resultados e das conquistas verificadas pelo Grupo Água de Beber, que através de sua Fundação protege crianças e adolescentes dos riscos sociais.

No escopo deste trabalho encontram-se algumas idéias do Mestre de Capoeira mais antigo em atividade no Brasil – Mestre João Pequeno de Pastinha – que aos 91 anos mantém viva em Salvador a Capoeira Tradicional da Bahia, denominada Angola (D’Angola), sendo ele próprio um dos alunos do Mestre Vicente Ferreira Pastinha, o primeiro Mestre de Capoeira a colocar a Capoeira D’Angola dentro do espaço fechado de uma academia, em 1936, quatro anos depois de Mestre Bimba legalizar junto ao Governo Federal e Estadual da Bahia, sua academia de luta regional Baiana, precursora e genitora da Capoeira Regional.

No decorrer das entrevistas, a Professora e historiadora autodidata, Zilda Pain, de Santo Amaro da Purificação, cidade do Recôncavo Baiano, apresenta uma entrevista com ênfase sobre a história do Besouro Mangangá, capoeirista estimado e bastante conhecido em todo Recôncavo devido a fama de valentão e justiceiro, estudado em 2002, pelo professor pós-doutor José Gerardo Vasconcelos, e que desvenda as histórias fictícias e reais desse emblemático capoeirista.

Como já foi dito anteriormente, destaca-se as origens da Capoeira Angola, os processos rituais, a questão da hierarquia e ancestralidade, a importância da música e do venerado berimbau com o professor Armando Leão (Armandinho).

Sobre a evolução pedagógica e a didática no ensino da Capoeira obtêm-se boas referências com o professor de Educação Física João Batista (Xanha). A respeito da Federação de Capoeira e aceitação observa-se as explicações do Mestre Simpatia.

Com o Professor Pequeno do Grupo de Capoeira Terreiro do Brasil fala-se sobre a história do grupo (um dos mais antigos da cidade) e sobretudo das propostas pedagógicas suscitadas pela Capoeira como um todo.

Os relatos auto-biográficos, biográficos e documentos oficiais foram cedidos por alunos, professores e simpatizantes da Capoeira que contribuíram também com suas opiniões e pontos de vista.

Sob a ótica científica obteve-se respaldo nas idéias de Max Weber, Bronislaw Malinowski e Roque de Barros Laraia, principalmente para reforçar o que nos informam os pesquisadores e professores Waldeloir Rego e Luiz Renato Vieira, além de outros. O primeiro publicou em 1968 o que até hoje é considerado a Bíblia da Capoeira; “A Capoeira Angola: ensaio sócio-etnográfico”, tendo o segundo escrito na década de 1990, o estudo “Capoeira Regional: um esporte brasileiro”.

A finalidade dessas explanações é dar início a um projeto de mapeamento e reafirmação da identidade do capoeirista cearense, não se contrapondo as demais manifestações de capoeiragem no país ou no mundo, mas com a idéia de reforçar o significado social da prática da Capoeira no Ceará.

De muitas formas a Capoeira promete. Ela promete saúde e boa forma, educação, segurança e disciplina, sensibilidade poética e musical, agilidade e, principalmente uma profissão. Neste trabalho tornarei a Capoeira digna de letra maiúscula. Para tanto sempre que precisa citar o verbete “Capoeira”, será usada uma maiúscula. Isto porque este trabalho da Capoeira sofre uma tentativa de amadurecimento, de crescimento coletivo. Assim como “uma andorinha só não faz verão”, “um capoeirista não faz a Capoeira”. Ela é um processo social coletivo de resposta cultural. Ela busca dar sobrevivência e bem-estar a milhões de pessoas que tentam adaptar a roda da Capoeira à sua própria pessoa.


1 ORIGEM E REALIDADE DA CAPOEIRA



A ciência social que aqui pretendemos praticar, é uma ciência da realidade. Procuramos compreender as peculiaridades da realidade da vida que nos rodeia e na qual nos encontramos situados, para por um lado, libertarmos as relações e a significação cultural das suas diversas manifestações na sua forma atual, e por outro, as causas pelas quais, historicamente, se desenvolveu precisamente assim e não de qualquer outro modo (Max Weber, 1977, p.47).

Há muitas versões sobre a origem da Capoeira. Alguns pesquisadores, historiadores e folcloristas acreditam que a Capoeira tenha sido criada pelos negros escravizados no Brasil, outros defendem a idéia de que a Capoeira tenha sido trazida na bagagem africana, isto é, a sua existência é anterior à escravidão.

No histórico da Capoeira descrito por Silva (1993, p.10) lê-se que:

no livro do padre José de Anchieta, “A arte da gramática da língua mais usada na costa do Brasil”, editado em 1595, há uma citação de que “os índios tupi-guaranis divertiam-se jogando Capoeira”. Guilherme de Almeida, no livro “Música no Brasil”, sustenta serem indígenas as raízes da Capoeira. Martim Afonso de Souza, navegador português teria observado tribos jogando Capoeira. (...) Também Waldeloir do Rego, autor do trabalho “Ensaio-sócio-etnográfico da Capoeira de Angola” defende a tese de que a Capoeira foi criada no Brasil pelos negros africanos.

De acordo com essas considerações e pelo fato de não haver, no continente africano e nos outros países influenciados pela raça negra, nada parecido com a Capoeira, pode-se supor que ela teve origem no Brasil, por meio dos negros africanos. (SILVA ,1993).

Na realidade, existem centenas de Grupos de Capoeira no mundo. No Ceará, existem algumas dezenas das quais as mais conhecidas são o Grupo Abadá Capoeira e o Grupo Capoeira Brasil, que vivem uma certa rivalidade declarada. Muitos outros grandes grupos vêm aumentar sua popularidade em Fortaleza. Entre estes Grupos estão o Grupo Cordão de Ouro (um dos mais tradicionais do país) e o Grupo Zumbido dos Palmares.

É fácil encontrar imagens que nos reporta à idéia da Capoeira. Pensar de uma forma funcionalista nos obriga a perceber todos os processos sociais como instituições sociais. Onde para cada necessidade (biológica ou artificial) se criam respostas culturais.

A cultura é um conjunto integral de instituições em parte autônomas, em partes coordenadas. Ela se integra à base de uma série de princípios, tais como: a comunidade de sangue, por meio da procriação; a contigüidade espacial relacionada à cooperação; a especialização de atividades; e, por fim, mas não menos importante, o uso do poder na organização política. Cada cultura deve sua integridade e sua auto-suficiência ao fato de que satisfaz toda a gama de necessidades básicas, instrumentais e integrativas (MALINOWSKI, 1975, p.46).


Então a Capoeira representa um fenômeno de raiz, vinda de uma cultura segregada e quase extinta ou em permanente conflito com a cultura dominante. Não fossem os guerreiros que se opuseram e enfrentaram e preservaram uma cultura por muito tempo deveras estigmatizada.

A cultura é um segmento finito de entre a incompreensível imensidade do devir do mundo, a que o pensamento conferiu – do ponto de vista do homem – um sentido e uma significação. E continua a ser assim mesmo para quem, tornado inimigo implacável, se opõe a uma civilização concreta e preconiza o regresso à natureza. Pois apenas pode adotar essa posição quando compara esta civilização concreta às suas próprias idéias de valor, afigurando-se aquela como demasiado superficial (Max Weber,1977, p. 61)

A Capoeira encontra-se no centro de um paradigma sociológico de profundidade ainda não definida. Para muitos praticantes ela tornou-se hoje um meio de vida. Uma forma de conhecer o mundo e conhecer pessoas e lugares.

O paradigma da Capoeira vem mudando conforme mudam as características e os paradoxos da sociedade. Quem pratica Capoeira hoje, no século XXI, não tem (de um modo geral) os mesmos anseios que os que a praticavam a 25 ou 50 (cinqüenta) anos atrás. Dessa forma, as necessidades que impeliam o sujeito à prática da capoeiragem sofreram mutações e adaptações. Assim ocorre, como sabemos com todos os fenômenos da cultura que têm como características principais a dinâmica das mudanças e a acumulação de conhecimentos.

Na teoria de Edward Tylor (1832-1917) apud LARAIA (1986, p.25) “a cultura pode ser objeto de um estudo sistemático, pois trata-se de um fenômeno cultural que possui causas e regularidades permitindo um estudo objetivo e uma análise capazes de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultural e a evolução”.

Com isso, da necessidade psicológica (que é evidentemente fisiológica) de fazer parte de um grupo social, da necessidade existencial de criação de uma identidade, nasce a necessidade de praticar e proliferar a Capoeira. Instituições sociais como a família e os seus graus de parentesco, a religião e as suas hierarquias, o trabalho e suas divisões, etc, trazem em conjunto várias contribuições para a instituição da Capoeira. Podemos observar na Capoeira, além de elementos políticos que determinam até certo ponto a índole, às ações e as perspectivas de capoeiristas e Grupos de Capoeiras.

Nos dias de hoje, o capoeirista não é mais marginalizado pela sociedade, ele é um esportista respeitado e admirado pelos demais. O capoeirista do século XXI adquiriu um outro estigma. Não é mais aquele estigma negativo, mas um estigma assemelhado à virtude, da beleza dos corpos, da graça dos movimentos, da harmonia e das músicas. Porém, ainda persiste a idéia generalizada de que o capoeirista é uma pessoa de cultura pouco eclética. Que apesar do profundo envolvimento com o folclore popular, poucos se destacam no mundo das letras e da produção científica.

A Capoeira era a forma de afirmação pessoal do liberto ou do negro emancipado da cidade, lembrados nas cantigas da diversão. Enquanto esses negros foram perseguidos, e mesmo assim, a Capoeira se manteve praticamente inabalada, mas quando novas condições surgiram, com a República, a luta de Angola perdeu a sua agressividade e se tornou um folguedo inocente, se resolveu no passo. É neste processo de recomposição em que se incluem processos de particularização (...). Nem sempre o povo cria, mas, ainda quando cria, recompõe – e nessa recomposição encontra-se a força de atualização que assume as formas novas que as novas condições exigem. A recomposição, em si mesma, já constitui uma maneira de manter a correlação existente entre as formas eruditas e as formas populares, entre o ápice e a base da superestrutura ideológica da sociedade (CARNEIRO,1965:21).



Todavia, o universo da Capoeira compreende muito mais que análises científicas, psicológicas, pedagógicas, fisiológicas e socioantropológicas, uma vez que, do profissional da Capoeira exige-se muito mais do que conhecimento da cultura e dos fundamentos da Capoeira. Exige-se antes de tudo um trabalho coletivo, um empreendimento comunitário de inclusão de pessoas neste esporte de combate verdadeiramente nacional.


Às vezes me chamam de negro
Pensando que vão me humilhar
Só que o que eles não sabem
É que só me fazem lembrar
Que eu venho daquela raça
Que lutou pra se libertar
Que criou o maculelê
Que acredita no candomblé
E traz o sorriso no rosto
A ginga no corpo e o samba no pé
Capoeira poderosa
Luta de ligar raças
Hoje aqui nessa roda
Eu vou jogar com meus irmãos
Capoeira o que é meu?
Camarada. É meu irmão.
Meu irmão de coração.
Camarada. É meu irmão...


“Não existe a verdade mas versões da verdade” (HOBBES, 2002). Como a “verdade” não existe, apenas suas versões, o que apresenta-se neste estudo é mais uma destas versões. Nesta pesquisa, defende-se a idéia de que a Capoeira é fruto de acontecimentos ocorridos entre negros no Brasil (originalmente na Bahia, depois Pernambuco e Rio de Janeiro), ou seja, a Capoeira é brasileira.

Diferentemente da Capoeira de rua praticada até hoje em Salvador, a Capoeira de Fortaleza caracteriza-se por ser ensinada e festejada em ambiente fechado, como clubes, academias e residências, e de uma maneira mais pontuada nas praças e nas praias, geralmente motivadas por eventos ou datas comemorativas.

Um dos elementos políticos mais facilmente observável com relação ao comportamento e trabalho espacial dos Grupos de Capoeira se refere ao nascimento ou criação de cada novo Grupo de Capoeira. Pode-se pensar que a origem de quase todos os Grupos de Capoeira decorre principalmente da divergência entre alunos e professores, ou seja, alunos já seguros de seus conhecimentos e métodos de ensino, por diferença de opinião ou desentendimentos vários são forçados a abandonar ou são expulsos do Grupo do qual pertencia. Estes, por já possuírem uma certa experiência e terem seus próprios alunos formam um novo Grupo de Capoeira que às vezes não vingam, mas, criam uma semente que “se for bem cultivada dará bom fruto e bela flor”. (Trecho de uma ladainha).



Foto: Magno Rocha

Foto 03 – Grupo de Capoeira – GCAP – Fortaleza

Esta história se repete na origem da maioria dos Grupos de Capoeira de Fortaleza. Em Fortaleza o ensino da Capoeira em espaços fechados destinados a esta prática começou na década de 1970 com o Mestre Zé Renato do Grupo Xangô Capoeira. Para descrever os desdobramentos da história da Capoeira em Fortaleza e no Ceará a proposta é entrevistar os capoeiristas mais antigos em atividade.

Para sistematizar um método de pesquisa a idéia seria escolher um ou dois Grupos para aplicar a técnica da observação participante, mesmo diante da vasta gama de Grupos de Capoeira do Ceará. O trabalho está focado no atual Grupo Água de Beber.

Os Grupos de Capoeira em atividade na cidade de Fortaleza, são:

Abadá – Mestre Camisa.
Capoeira Brasil – Mestre Paulão, Boneco, Sabiá
Cordão de Ouro – Mestre Espirro Mirim
Zumbi dos Palmares – Mestre Lula
Terreiro Capoeira – Mestre Esquisito
Muzenza – Mestre Pedro
Atitude – Mestre Moraes (vulgo Asa Branca)
GCAP – Professor Armandinho
Candeias – Mestre Suíno
Legião Brasileira de Capoeira – Mestre Zebrinha
Raízes da Terra – Mestre Assis
Camará – Mestre Chimpanzé
Capoeira Mundi – Mestre Dingo


1.1 Definição e história


O vocábulo Capoeira, está registrado em todos os glossários regionais e especializados, como Lessa (1944); Cascudo (1962), além de muitos outros, com inúmeras definições. No dicionário da língua portuguesa, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2004), define Capoeira como “jogo atlético individual, com um sistema de ataque e defesa,” ou ainda, “terreno onde o mato foi roçado e/ou queimado para cultivo da terra, ou para outro fim”.


A Capoeira foi inventada no Brasil, com uma série de golpes e toques comuns e que seus próprios inventores e descendentes, preocupados com o seu aperfeiçoamento, modificaram-na com a introdução de novos toques e golpes, transformando uns, extinguindo outros, associando a isso o fator tempo que se incumbiu de arquivar no esquecimento muito deles e também o desenvolvimento social e econômico da comunidade onde se pratica Capoeira (REGO, 1968, p.35).


Rego (1968) apud Gustavo Barroso (1956), explica que Capoeira é uma espécie de veado existente no Nordeste do Ceará; Plínio Ayrosa (1937) designa Capoeira o indivíduo matuto. Na opinião da sabedoria popular, Capoeira pode ser uma ginga, uma dança ou um esporte.
A Capoeira, continua Rego (1968) foi inventada com a finalidade de divertimento, mas na realidade funcionava como faca de dois gumes. Não existia Academias de Capoeira, nem ambiente fechado, exclusivamente preparado para o jogo da Capoeira. Nos tempos passados o jogo da Capoeira acontecia nos engenhos, no local de trabalho, nas horas vagas e nas ruas e praças públicas.

No século XVII quando se verificaram as invasões holandesas no Brasil, aproveitando-se da confusão que se estabelecera, milhares de escravos começaram a fugir de seus senhores agrupando-se na Serra da Barriga, no Estado de Alagoas. Nascia assim o Quilombo dos Palmares sendo o chefe dessa República o negro Zumbi, o mais valente e capacitado do grupo. Com armas primitivas, quase todas improvisadas, os negros derrotaram sucessivamente vinte e quatro expedições chefiadas pelos célebres capitães do mato. Nessa época teria surgido a tradição marcial da Capoeira (SILVA, 1994, p. 103).

Embora os escravos se mostrassem evidentemente superior na luta, pela agilidade, coragem, sangue e astúcia com que se servia até das feras mais perigosas para combater o inimigo, Palmares foi destituído em 1867 após uma resistência de 10 anos. Com sua extinção, a capoeiragem, já usada nitidamente como recurso de ataque e defesa passou a ser assimilada e desenvolvida também pelos mulatos e outros mestiços.

Rio de Janeiro, Recife e Salvador foram as principais cidades onde aconteceu a proliferação da Capoeira, tendo no século XIX assinalado o seu apogeu durante o reinado de D. Pedro II quando essa prática campeou com inteira liberdade não só entre os elementos da plebe como entre muitas figuras de destaque da época.

Todavia, segundo Silva (1994), sérios problemas começaram a surgir devido as brigas entre si das maltas (grupos de Capoeira) e devido às atividades de capoeiristas (chamados capangas) que se colocavam a serviço de fazendeiros para cobranças e resoluções de rixas pessoais.

Segundo Carneiro (1974) nos meados do século passado, o governo da província, para se ver livre dos capoeiristas, recrutou-os para a Guerra do Paraguai, onde, aliás, se distinguiram por bravura. Todavia, o objetivo da luta e do jogo é tornar o Capoeira senhor de si mesmo e integrado ao grupo.

Quadro I – Período Histórico da Capoeira

1830Aparece no código criminal do Império, cap. IV, artigo 295, a primeira proibição oficial contra os capoeiristas.05/04/1889Nasceu Mestre Pastinha1890Criado o Decreto 487 com o art. 402 que estabelecia textualmente que “fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal, conhecido pela denominação de capoeiragem, andar em correrias, com armas e instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal era punido com pena de prisão celular de dois a seis meses”.23/11/1900Nasceu Mestre Bimba1907Apareceu um trabalho cujo autor se ocultou sob as iniciais O.D.C1928Annibal Burlamaqui assina Ginástica nacional (Capoeiragem) Metodizada e Regrada.1930Nasceu Artur Emidio de Oliveira na Bahia, iniciou a Capoeira em 1952, foi aluno de Deodoro Ramos (Paizinho). Junto a Djalma Bandeira fez diversas apresentações na Europa, principalmente em Paris.1932Fundação do Centro de Cultura Física e Capoeira Regional, do Mestre Bimba.1937Registro oficial do CCFCR.1942Foi lançado um inquérito pela Divisão de Educação Física do Ministério da marinha consultando sobre os melhores elementos para a instalação de um método de ensino da Capoeira.1945Inezil Penna marinho lança o livro Subsídios para o Estudo da Metodologia do Treinamento da Capoeiragem.1960Lamartine Pereira da Costa então oficial da marinha, diplomado em Educação Física pela EEFE e instrutor chefe dos cursos da Escola de Educação Física da marinha, CEM-RJ lança um livro que se tornou clássico chamado “Capoeiragem – A arte da defesa pessoal brasileira”.1968Waldeloir Rego lança o livro Capoeira Angola – Ensaio sócio-etnográfico, considerado o livro mais completo sobre Capoeira.1970Internacionalização – Capoeira 01/01/1973Entra em vigor o Regulamento Técnico da Capoeira oficializando assim a Capoeira como esporte nacional brasileiro.Fonte: SILVA (1994, 27).

Proclamada a República, inicia-se nova fase de perseguição à Capoeira através do decreto 487 de 11 de outubro de 1890 do Código Penal Brasileiro que, em seu artigo 402, previa: “prisão celular por 15 (quinze) a 30 (trinta) dias a vadios e capoeiristas que praticassem publicamente exercícios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação de capoeiragem”; prisão celular de 2 a 6 meses, com circunstância agravante a capoeiristas pertencentes a algum bando ou malta. Em caso de reincidência a pena passava a ser de 3 (três) anos, em colônias penais. O estrangeiro era deportado após cumprir a pena (SILVA, 1994).

A partir de então, a Capoeira passa a tomar outro rumo, marchando para seu aprimoramento cultural e vendo decrescer acentuadamente a pressão exercida sobre ela. Entre outros fatos mais importantes que concorreram para sua expansão, destacam-se: a introdução da Capoeira no currículo de ensino da Polícia Militar do Estado da Guanabara, como forma de desporto (1961); a homologação pelo Ministério da Educação e Cultura, da Capoeira como modalidade desportiva (1972); a Fundação da Federação Paulista de Capoeira (1974); a realização do Primeiro Campeonato Brasileiro de Luta Individual, em São Paulo (1975); a fundação da Federação de Capoeira do Estado do Rio de Janeiro (1984) e a introdução da Capoeira nos Jogos Abertos do Interior como modalidade extra (1987).

Como forma de folclore, através de conjuntos e grupos de dança, a Capoeira já era conhecida entre outros países, mas na forma de competição teve sua primeira aparição no exterior, em 1982, nas cidades de São Francisco e Nova York, nos Estados Unidos.

Atualmente, o ensino da Capoeira está incluso no currículo de escolas de Educação Física do Brasil, conforme o Programa Nacional de Capoeira do Ministério da Educação.


1.2 O Jogo


A execução da Capoeira, como jogo, requer uma roda, um círculo de pessoas que delimita o campo em que ela se desenvolverá, e uma orquestra de berimbaus e pandeiros. Diante dessa orquestra agacham-se os parceiros, calados e imóveis, obedientes ao “preceito” do jogo, enquanto algum dos instrumentalistas canta a música inicial.

A ginga do Capoeira ao som dos berimbaus e pandeiros dá ao jogo uma aparência de dança. Os golpes vêm e vão, sem se fixarem, mas alguns já estão definitivamente incorporados à capoeira. Dois deles têm renome nacional – a rasteira e o rabo d’arraia. Um outro constitui a figuração mais distintiva do jogo – o aú. Em geral, os golpes são ao mesmo tempo de ataque e defesa, não sendo fácil estabelecer uma fronteira entre os movimentos ofensivos e defensivos (CARNEIRO, 1974).


O aú, o salto mortal, pode servir de exemplo. Ortodoxalmente poderia ser considerado uma defesa, pois, com o aú, o Capoeira se distancia e portanto se defende do adversário. Contudo, o salto geralmente prenuncia a rasteira, a meia-lua ou a chapa-de-pé, se não uma série de aús que podem levar o contendor a passar, por sua vez, para a defensiva.

Além dos golpes já citados existem outros também comuns que são: bananeira, chibata, tesoura, escorão, além de outros. Em todos esses golpes vale muito mais a destreza do que a força muscular. Quando o Capoeira, em pleno movimento no ar, por qualquer golpe, configura-se o tombo da ladeira. E a cabeçada constitui não tanto um golpe, mas um recurso de que se vale o Capoeira para afastar de si o colega perigosamente próximo.“O bom jogador de Capoeira, não obstante movimentar-se muitas vezes paralelamente com o chão, não suja a roupa, nem perde o chapéu” (CARNEIRO,1974, p.7).

Rego (1968), explica que existem no acompanhamento musical toques que se poderia chamar de gerais, porque são comuns a todos os Capoeiras, os quais são executados ao lado de outros que são particulares de determinada academia ou mestre de Capoeira. Também, acontece, e não raro, um mesmo toque, apenas com denominação diferente entre Capoeiras.

Na opinião de Almeida (1999, p.91) “o jogo é a essência da capoeiragem assim como o existir é a essência da vida. Adestra-se o corpo e se aprende as técnicas, rituais e etiqueta da Capoeira para se poder entrar e sair das rodas com dignidade”. Pratica-se a música para se estabelecer a conexão de movimento e ritmo e criar um clima necessário para o melhor desempenho no jogo. Os jogos mais bonitos são aqueles em que os capoeiristas disputam o controle de espaço com intensidade empregando ataques poderosos e uma estratégia bem articulada para se desvencilhar do perigo usando defesas criativas e funcionais. Tudo isto com respeito pelas regras do jogo e pelo oponente como um ser humano e um irmão na capoeiragem.


Os movimentos de ataque, defesa, posicionamento e floreio durante o jogo fazem parte de um repertório amplo, sendo sua escolha determinada pela situação do momento e qualidade técnica de cada jogador. Estes movimentos podem ser considerados como as palavras no diálogo capoeirístico, e as suas combinações, como as frases usadas na expressão da criatividade e da personalidade de cada um. Bons capoeiristas, usam o espaço em sua dimensão total definindo uma esfera flexível com um certa tensão de superfície que a possibilita se contrair e expandir em volta da ação. (...) Um movimento rápido demais ou uma defesa estabanada pode quebrar a superfície de tensão e tornar o jogo desproporcional e sem harmonia (ALMEIDA, 1999, p.92).

Para se viver uma arte tão complexa como a Capoeira torna-se necessário um tipo de postura pessoal característica. Para o capoeirista, o jogo é uma experiência mística e existencial que transcende o momento em que ele está na roda e se estende a todos os aspectos da sua vida.

Como bem descreve Cassirer (1976, p.42), “(...) sentimentos e emoções deixam de ser uma manifestação superficial, uma simples eflorescência; mergulham no mais profundo do indivíduo; têm suas raízes nas necessidades e nos instintos, quer dizer, em movimentos...”

Certa vez um Capoeira me disse, descreve Almeida (1999, p. 93): “Eu queria ter sido um dançarino, hoje danço na Capoeira. Eu queria lutar num ringue, hoje luto na roda. Eu queria ser um artista, hoje expresso minha criatividade e malandragem.” É na roda que o capoeirista se cria. Para tanto é necessário jogar com um certo ritual.



1.3 A Cantiga


A cantiga de Capoeira tanto pode ser o enaltecimento de um capoeirista que se tornou herói pelas bravuras que fez em vida, como pode narrar acontecimentos da vida cotidiana, usos, costumes, episódios históricos, a vida e a sociedade na época da colonização, além de tantos outros.

Vou contar uma história ô iá iá
Com uma dor no coração

Sei que tu falou de mim
Sei que tu falou de mim ô iá iá
Foi uma grande ingratidão
Sei que tu fala de mim
Sei que tu fala de mim ô iá iá
Sei que de mim tu falou

Que eu não jogo Capoeira
Que eu não jogo Capoeira ô iá iá
Que não sou bom professor
Mas tu vai sentir saudade
Mas tu vai sentir saudade ô iá iá
Daquele que te ensinou
Sei onde Judas traiu Cristo
Sei que Judas traiu Cristo ô iá iá
Mas que não se salvou
Iê viva meu Deus


Não se pode estabelecer um marco divisório entre cantigas de Capoeira antigas e atuais, como explica REGO (1968). Desse modo, louvam-se os Mestres de Capoeira e evocam-se as terras da África de onde procederam por meio de um diálogo. Não é um diálogo normal entre duas pessoas presentes, mas entre uma pessoa humana presente e outra pessoa ou coisa ausente, onde as indagações são feitas e respondidas por uma só pessoa.

Me trate com mais respeito
Que é sua obrigação
Todo mundo é obrigado
A possuir educação
Me trate com mais respeito
Veja que eu lhe tratei bem
Como vai, como passou
Como vai, como não vem.

Na opinião de Rego (1968, p.126), “as cantigas de Capoeira fornecem valiosos elementos para o estudo da vida brasileira, em suas várias manifestações, os quais podem ser examinados sob o ponto de vista lingüístico, folclórico, etnográfico e sócio-histórico.”

Na linguagem brasileira, para cada região, existem inúmeras divergências, principalmente com referência aos verbos que o povo simplifica, a flexão numérica dos substantivos, pronomes, advérbios e preposições. Há inúmeras conjecturas em torno dessas divergências que no linguajar da Capoeira são usadas com freqüência (REGO, 1968).

Eu cumo já tou com raiva
Te rogo uma praga ruim:
Deus primita que te nasça
Bouba, sarampo e lubim,
Protocó, bicho de pé,
Inchaço e moléstia ruim.

(REGO, 1968, p. 237).

Além das cantigas que exalta o folclore, existem também as cantigas de escárnio, de berço, de devoção e principalmente as cantigas de roda, louvação, sotaque e desafio. Do ponto de vista lingüístico, as cantigas fornecem detalhes da linguagem corrente do Brasil, principalmente no campo fonético, semântico e sintático. Observando o aspecto etnográfico, o capoeirista de hoje narra durante o jogo da Capoeira, através do canto, toda uma epopéia do passado de seus ancestrais.

O meu boi morreu
Qui será de mim
Vô mandá buscá ôtro
Meu bem, lá no Piauí.

(REGO, 1968, p. 248).

O tratamento que durante o período patriarcal era rigorosamente usado, como por exemplo, senhor e senhora são palavras usadas em quase todas as cantigas de Capoeira. Dentro do aspecto sócio-histórico, o acontecimento de maior relevância na vida funcional do capoeirista, segundo os estudos de Rego (1968), foi a Guerra do Paraguai constantemente mencionada durante as cantigas nas rodas de Capoeira.


Foi o Marquês de Caxias
Que já me mandou chamar,
Para ir ao Paraguai,
Para aprender a brigar.
Vou-me, vou-me embora,
Vou-me embora para o mar!

(REGO, 1968, p. 248).

Em suma, através do canto, o capoeirista dos dias atuais narra durante o jogo da Capoeira toda uma epopéia do passado de seus ancestrais. Dentro do aspecto histórico, o acontecimento de maior relevância na vida funcional do capoeirista foi a Guerra do Paraguai que segundo os estudos de Rego (1968) aconteceu na época em que os capoeiristas estavam em pleno auge de suas atividades, em verdadeiro conflito com a força pública e a sociedade. Dentro do aspecto social, notam-se detalhes de comportamento não só nas boas maneiras, como é o caso da sua saudação e cumprimento característicos existentes também nas cantigas de Capoeira, como por exemplo: Como vai? Como está? Como passô? Como vai vosmicê?


1.4 Ascensão Social e Cultural da Capoeira


1.4.1 A Capoeira na Literatura


Segundo os estudos de Rego (1968), de todas as manifestações culturais, a literatura foi a que mais absorveu a Capoeira. No romance da autoria de Manoel Antônio de Almeida, publicado entre 1854 e 1855, intitulado “Memórias de um sargento de Milícias”, o personagem principal foi na vida real, um hábil Capoeira e o maior inimigo do folguedo e seus adeptos.

Em seguida, Machado de Assis escreveu na “Gazeta de Notícias”, no período de 1884 a 1885 diversas crônicas, entre elas uma sobre a Capoeira, o capoeirista e o seu comportamento na comunidade social.

No romance “O cortiço”, de Aluísio de Azevedo, publicado em 1890, também aparecem cenas de Capoeira e capoeiristas como personagens. Viriato Correia escreveu uma crônica intitulada “Os Capoeiras”; Jorge Amado em um de seus romances, no ano de 1944, dedicou um capítulo à Capoeira, intitulado “Capoeiras e Capoeiristas”.

Assim, a Capoeira reflete a sua ascensão e a sua caracterização na literatura por meio de uma construção de seus aspectos históricos e culturais.


1.4.2 A Capoeira na Música Popular Brasileira


Na opinião de Rego (1968), no processo evolutivo da música popular brasileira, a que conseguiu se fazer notar com maior eficácia foi a chamada Bossa Nova. Os letristas e compositores usaram e abusaram do tema “Capoeira”. Desse modo, “Berimbau, Labareda e Canto de Ossanha” são as três músicas já definitivamente incorporadas ao patrimônio musical brasileiro.

Berimbau

Quem é homem de bem
Não trai
O amor que lhe quer
Seu bem
Quem diz muito que vem
Não vai
E assim como não vai
Não vem
Quem de dentro de si
Não sai
Vai morrer sem amar ninguém
O dinheiro de quem não dá
É o trabalho de quem não tem
Capoeira que é bom
Não cai
Se um dia ele cai
Cai bem
Capoeira me mandou
Dizer que já chegou
Chegou para lutar
Berimbau me confirmou
Vai ter briga de amor
Tristeza camarada.
Para Rego (1968), a dupla Baden Powell e Vinicius de Moraes foram o ponto decisivo na história da música popular brasileira, na adoção do toque e canto da Capoeira.
Upa! Neguinho

Upa! Neguinho na estrada
Upa! pra lá e pra cá
Vige qui coisa mais linda
Upa! neguinho começando andá
Começando andá
Começando andá
Começando andá
E já começa apanhá
Cresce neguinho e me abraça
Cresce e me ensina a cantá
Eu prendi tanta desgraça
Mas muito te posso ensiná
Mas muito te posso ensiná
Capoeira posso ensiná
Ziquizira posso tirá
Valentia posso emprestá
Mas liberdade só posso esperá.


Upa! neguinho é uma composição de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri, in Arena Canta Zumbi.


1.4.3 A Capoeira no Cinema e no Teatro


O ano de 1961 foi áureo para o cinema nacional, conforme escreve Rego (1968), com o “Barravento”, produção nacional da Iglu Filmes, com direção e roteiro de Glauber Rocha e música de Capoeira do mestre de Capoeira Washington Bruno da Silva (Canjiquinha). Em 1964, o filme “Senhor dos Navegantes”, com roteiro e direção de Aloísio de Carvalho, com cenas rodadas na Bahia, onde foram filmadas as cenas de Capoeira.

A Capoeira emprestou seu principal instrumento musical, o berimbau, para ser símbolo de premiação em festival de cinema. “O menino da Calça Branca”; “Três Cabras de Lampião”, entre outros, destacam-se pela mostra da Capoeira. Em festivais internacionais, os filmes brasileiros, com cenas de Capoeira, premiados foram: “O Pagador de Promessas” no Festival de Cinema de Cannes; “Briga de Galos” no Festival dei Popoli, em Florença e “Barravento” no Festival de Karlovy Vary, na Tchecoslováquia.

Nos palcos teatrais, a Capoeira aparece totalmente estilizada com danças modernas e músicas com conteúdo afro-brasileiro. Também registra-se o aparecimento da Capoeira em artes plásticas e na pintura, onde a Capoeira tem sido exaltada por pintores brasileiros, como Aldemir Martins que apresentou excelentes desenhos sobre a Capoeira, com premiação internacional na Bienal de Veneza, conforme REGO (1968).

Segundo Mauss (1974), toda cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas simbólicos em cuja linha de frente coloca-se a linguagem, as relações econômicas, a arte, a ciência, a religião. Todos estes sistemas visam a exprimir certos aspectos da realidade física e da realidade social e, ainda mais, as relações que estes dois tipos de realidade mantêm entre si e que os próprios sistemas simbólicos mantêm uns com os outros – configurando-se assim, a Capoeira, em um fato social total.
















2 ESPECIFICIDADES DA CAPOEIRA


Aruanda ê aruanda ê aruanda
Aruanda ê aruanda
Vem de dentro do peito
Esta chama que acende
Meu corpo inteiro não pode parar
Eu sou mandingueiro de lá da Bahia
Axé Capoeira salve Ceará

Oxalá que me guie por todo caminho
Não deixe na roda a fé me faltar
Sou vento que sopra, eu sou Capoeira
A luta de um povo pra se libertar.

Grupo Abadá Capoeira


Dia 5 de agosto de 2006, estamos no Espaço do Armandinho com a finalidade de avançar no propósito desse trabalho, ou seja, descrever ritual, hierarquia e linhagem com a ajuda dos mestres e capoeiristas antigos. Então, o Mestre Professor Jorge Armando Leão apresenta a sua opinião a respeito da linhagem na Capoeira.

Moraes, aluno dele desde de 1976/1977, ele por sua vez foi aluno do Mestre Pastinha, sendo orientado na Escola do Mestre Pastinha pelo Mestre João Grande, principalmente, e pelo Mestre João Pequeno também. E o Mestre Pastinha, por sua vez, foi discípulo do Mestre Benedito que era um escravo de Angola que de pequeno orientou o Pastinha na Capoeira. Então essa é uma linhagem que conhecemos, da nossa história do Grupo de Capoeira Angola Pelourinho (GCAP). Essa linhagem ela tem várias raízes porque foram vários alunos do Mestre Pastinha e tem muitas histórias e como é tudo tradição, tem muitas histórias que são tradições contadas, criadas...


Foto: Magno Rocha
Foto 4 – Professor Armando Leão

Para o Mestre Armandinho seu primeiro contato com a Capoeira foi em 1976.

Conhecia a Capoeira Regional só de olhar mesmo. Tive uma história anterior bastante longa de karatê. Conhecia a Capoeira de vista. Algumas pessoas que eu conhecia que jogava Capoeira e a gente trocava idéia. Em 1976 eu tinha acabado de retornar de São Paulo para o Rio e conheci, na verdade a pessoa que me trouxe para o mundo da Capoeira e da Capoeira Angola, foi o que é hoje atualmente, o Mestre Marco Aurélio, que era aluno, foi aluno do Mestre Moraes, que foi um dos pouquíssimos Mestres formados pelo Mestre Moraes, um dos cinco e ele não era ainda nem contra-mestre, era aluno. Algum tempo depois, que ele foi Mestre. Começou em 1976, em 1977, apresentou-me o Mestre Moraes, em 1977 eu já comecei a treinar com Mestre Moraes às vezes treinava com Marco Aurélio, que era chamado Marquim, depois de um tempo o Mestre Moraes foi para Niterói, cidade que eu morava, foi ensinar Capoeira, a gente conseguiu um lugar e eu treinei com Mestre Moraes, então ele foi para o Rio e eu segui caminho com Mestre Moraes até ele ir embora para a Bahia.

Pouco tempo depois, de acordo com o Professor Jorge Armando, mais ou menos, em 1983, ele foi morar na Bahia.

Quando Mestre Moraes foi embora eu morei quase um ano na Bahia, não lembro a data não. Eu estou há 14 anos em Fortaleza. Eu parei muito tempo a Capoeira por questão da vida mesmo, do trabalho, no Rio mesmo, eu só freqüentava a roda dos meus amigos, eu já não dava aula há 3 anos, ou mais. Em Fortaleza, ensinei quase dois anos na Escola Fundamental José Walter Ramos, depois parei, seis anos completamente sem fazer nada, sem ser eu e meu banquinho. Tiago era pequenino, ele tem 15 anos, quer dizer, na época ele tinha 5, 6 anos, quando eu não treinava no banquinho, eu treinava com o Tiago. Usando ele de Banquinho, e aí depois desse tempo todo, eu voltei para o Campus do Pici, aí eu voltei lá no Norval Cruz.

Foi nessa época que o autor do referido trabalho conheceu o Professor Armandinho, através do Zerivan que juntamente treinavam Capoeira.

Desse modo, o primeiro ponto da entrevista com o Armandinho foi a linhagem, e em seguida o ritual da Capoeira, no caso a “Angola”.

A Capoeira Angola, em todos os seus aspectos é bem ritualizada. Quando a gente começa a pensar nela numa perspectiva histórica, o que aconteceu com ela. Ela foi a fusão de vários rituais africanos aqui no Brasil, no processo de vinda aqui no Brasil. Eu não estou falando de rituais assim, veio da África, danças e lutas e expressões religiosas, canto, expressões artísticas musicais das mais diferentes religiões da África. Então a Capoeira já nasce de uma fusão, porque o “samba angolano”, que é a origem matriz do samba é um ritual. Não é um ritual religioso. É um ritual. Um ritual de dança. Tudo é ritualizado nos vários povos da África. Na verdade, a vida de todos os povos do mundo é composta de rituais. Você tem um ritual para acordar, lavar o rosto, a rotina é um ritual. Então, foram muitos rituais. O rito quer dizer o que, uma ordem, seqüência.


Pois é isso que eu queria que fosse abordado, explica o entrevistador.

A Capoeira vem dessa cultura de ritos, então ela não só nasce, “pa-pa”, vamos compor “isso” com “isso”... Pronto, agora temos a Capoeira. Não. O N’Golo que para nós é o rito matriz, é um ritual social e religioso. Religioso por que na cultura banto tudo é religioso e social porque é um rito de escolha de um casamento dos casamentos. É um rito de iniciação masculina e feminina da puberdade. Então, é um ritual de iniciação guerreira e também maturidade, porque nada de casamento que é o ápice do homem e da mulher na vida. Então a matriz da Capoeira é um rito fortíssimo, social.


E com relação a esses ritos, o rito é derivado pela música?

Não, tem todo um caminho. Você não vai entender o rito agora de uma cultura ancestral, se não tiver a paciência e o cuidado de discernir o caminho ancestral que é a história. A história de qualquer povo. Veja bem, nada é uma parte. Você não vai entender a história da música na Capoeira, a história do golpe na Capoeira, nada... Você não vê isso separado. Você pode até olhar só a música na Capoeira, mas seu olhar é amputado quando você faz isso. Então a Capoeira quando vem dessa profusão de ritos e dessa miscigenação entre esses ritos, não é só ela que aparece, aparecem muitas Capoeiras. Então existe uma seleção entre os mais fortes, que vai sendo proeminente que vai atendendo mais a necessidade que aquela própria arte gera, essa arte tem muitas frentes, muitas faces, é isso que acontece no Rio, Bahia, Pernambuco, Maranhão, tudo concorre fortemente.



De acordo com Carneiro (1965), a Capoeira continuou a ser uma das diversões mais queridas do negro de Angola, transformou-se na sua arma e, finalmente, se revelou a sua melhor maneira de se afirmar, individualmente, na sociedade – e de sobreviver. O passo pernambucano – a dança do frevo – nasceu das cabriolas e dos saracoteios que os capoeiras vinham fazendo, à frente das bandas de música, no Recife. “O passo é um portanto, um exemplo de transformação da quantidade em qualidade – as acrobacias dos Capoeiristas, estendendo-se a camadas cada vez maiores da população, produzindo um novo fenômeno – o frevo, uma síntese, o delírio coreográfico.” (CARNEIRO, 1965, p. 54).


A música tanto estimula o capoeirista a vadiar com energia quanto facilita a cadência na ginga, a harmonia de movimentos, o controle pessoal e a apreciação dos vários aspectos da cultura capoeirística que se manifesta no conteúdo das cantigas. Numa roda em que existe boa música, possivelmente existirá boa vontade e entendimento. A música é uma das ferramentas essenciais utilizadas pelos capoeiristas competentes na prática do seu ofício (ALMEIDA, 1999, p.71).

A Capoeira não nasce na Bahia, não nasce no Rio, existe focos de Capoeira no Rio completamente diferentes da Bahia. A idéia de Capoeira Angola é Regional. Foi a partir do Mestre Bimba que surgiu a Capoeira Angola. Porque? Por que ele afirmou a criação dele mesmo, que é a Capoeira Regional e para distinguir da Capoeira Angola ele criou a expressão “esses são os angoleiros”.

A Capoeira vem se construindo nessa profusão de terminologias que nunca vai ser explicada, será “mato ralo”, de repente em algum lugar apareceu como “mato ralo”.

A primeira vez que eu conheci a expressão foi com esse sentido. De repente na Bahia, alguém escutou Capoeira como marinheiro que desce no Rio, ou que significa cestos enormes, mas o fato é que disseminou a palavra e associou aquelas que até eram semelhantes e diferentes ao mesmo tempo. Então as semelhanças e diferenças foram se unificando pelo nome até chegar ao espírito de toda a história da Capoeira. No rito da Capoeira existe uma construção no mesmo embalo, ou seja, a construção de todos os ritos. Por exemplo, o berimbau que tinha o nome de urucungo era usado em cortejo fúnebre, era usado por homens de rua como repentistas, em feiras. Esse tipo de berimbau era mais conhecido na região de Luanda, Angola, como os andarilhos que contavam histórias tocando esse instrumento.

Como bem dizia Mestre Bimba, segundo os estudos de Almeida (1999, p.71) “sem berimbau não se aprende a jogar Capoeira”.


Alguns dizem que o berimbau foi introduzido na Capoeira para disfarçar seus aspectos de luta e enganar o feitor. Na realidade, até hoje não se sabe quando e como o arco musical começou a ser usado nas rodas formadas para a prática da capoeiragem. Para ajudar o pensamento de que a associação do berimbau como o jogo atlético é um fenômeno recente, apresenta-se com freqüência a comparação dos desenhos de dois viajantes europeus que registraram sua presença no Brasil durante o período colonial. No Brasil, o berimbau foi usado em muitos folguedos populares do passado e conhecido como urucungo, gobo, bacumbuma, macungo e outros nomes com etimologia africada (ALMEIDA, 1999, p. 71).

O berimbau apresenta-se de vários tipos e modelos, com um arame, com dois arames, duas cabeças, grande, pequena. Essa construção foi acontecendo historicamente de forma não registrada, em algum momento da história, talvez algum mestre com uma postura mais elaborada adotou 3 (três) berimbaus. Essa composição foi surgindo na entrada com o pandeiro, o atabaque é atrelado ao samba de roda, com todo esse cruzamento de ritos que vai se sedimentando enquanto costume e esse costume estabelece o ritmo.
Quem vem lá sou eu
Quem vem lá sou eu
Berimbau mais eu
Capoeira sou eu
Eu venho de longe
Venho de Itabuna, jogo Capoeira
Meu nome é Suassuna,
Ê, sou eu, sou eu, quem vem lá
Ê, sou eu, Capoeira, quem vem lá
Tocando berimbau, quem vem lá
Levantando a poeira, quem vem lá

Reinaldo Suassuna

E o Mestre Armandinho explica a tradição e o rito na roda de Capoeira.

Eu hoje, na roda, eu cumpro um rito que faz parte do padrão do meu grupo. A forma como eu conduzo a roda é um rito, um ritual que obedece a tradição do meu Grupo GCAP, Grupo de Capoeira Angola Pelourinho. Essa tradição tem os fundamentos principais dela, constitui basicamente a maioria dos seus fundamentos, dos seus aspectos, baseado no aprendizado que o Mestre Moraes fez com a Escola de Mestre Pastinha, então a nossa orquestra hoje, tem 3 (três) berimbaus, 2 pandeiros, agogô, reco-reco, atabaque. Isso é imutável porque atualmente isso é uma tradição da orquestra do Grupo de Capoeira Angola Pelourinho.


Zum, zum, zum
Capoeira mata um
Zum, zum, zum
Capoeira mata um

Santo Antônio pequenino
É meu santo protetor
Cabra você não me assombra
Na Capoeira sou doutor

Bate o pandeiro caboclo
No jogo do berimbau
Biriba é pau é pau
De fazer berimbau é pau

Clodoaldo Brito (compositor baiano)
Por meio da análise dos depoimentos dos Mestres de Capoeira, sobretudo os Mestres da Bahia, pode-se compreender sua inserção no contexto social de então, pois ao se referirem às rodas de Capoeira, os Mestres, em geral, destacam uma série de nomes famosos que conheceram ou que foram contemporâneos de seus Mestres.

Essa orquestra, nessa forma exata, adotando reco-reco, por exemplo, aparece em 83 quando o Mestre Moraes morava em Salvador. O GCAP foi fundado no Rio de Janeiro e seguidamente em Salvador. Nós já fizemos roda sem reco-reco, com um pandeiro, mas sempre a marca registrada, ou seja, 3 (três) berimbaus, um atabaque, um agogô e um pandeiro. Então foram etapas diferentes que o GCAP viveu. A história de Capoeira do Mestre Moraes tem muitas etapas, cada uma delas com um aspecto bem marcante. O que eu mantenho na roda é a tradição do Grupo Capoeira Angola. Quando inicia a roda, o primeiro que entra é o gunga, depois o berimbau médio, depois a viola, os 2 pandeiros, o agogô, o reco-reco e por último entra o atabaque. Depois que a orquestra está firma, o cantador começa a cantar a primeira música, espera o ritmo ficar firme, canta a “ladainha” que é um canto mais longo, uma história cantada, onde envia mensagens, uma mensagem filosófica, uma homenagem, pois a ladainha pode apresentar um tema.

E seguidamente vem a chula que é parte integrante da ladainha.


Quero ver menino
Quero ver você crescer
Quero ver entrar na roda
Ce tem muito que aprender

Berimbau já ta chamando
Vendo você amanhecer
Capoeira ta chamando
No aí ou no role


“Chula” é aquela parte de louvação “Ê viva meu Deus”. Aí o coro responde exatamente igual ao cantador e depois da louvação que é a “chula”, vem o “corrido”. Muita gente chama a “chula” de “ladainha”, no nosso caso existe outra denominação.

Meu Mestre me disse um dia
Menino preste atenção
Vou lhe ensinar a Capoeira
Tenha muita devoção
A Capoeira é uma arte
Que aprende com coração
O Capoeira se faz com tempo
E esse tempo vai demorar
Vai crescendo, vai treinando
Pro seu corpo aprimorar
Minha vida é Capoeira
Olha eu sou Capoeira
Olha manda, a mandiga e oração
Capoeira é religião”.


O “corrido” são os cantos em que o cantador canta um verso e o coro responde, normalmente 90% dá uma resposta que não é o verso. Complementando o verso, então você canta assim:

Eu sou angoleiro,
ô iaá, angoleiro eu sei que sou
Eu sou angoleiro
Eu sou angoleiro de valor

Eu sou angoleiro
Jogo Capoeira e amor

Eu sou angoleiro
Disso eu sou entendedor


Então existe um jogo, uma conversa entre o coro e o cantador, um diálogo, com um “tom” exclusivo, podem existir perguntas e respostas o tempo todo e quando inicia o primeiro corrido o jogo pode começar. Antes não, na chula ainda não começa o jogo. O jogo é interrompido com um gesto do berimbau que arreia sua ponta e chama os jogadores para voltar ao pé do berimbau. Não existe jogo de compra na nossa roda, ninguém compra o jogo de ninguém, quem determina o começo e o fim daquele jogo é o berimbau, ninguém fica em pé, todos ficam sentados em torno da roda porque Capoeira Angola tem o poder de fazer uma roda longa e todos saem do pé do berimbau e voltam e se agacham por diversas vezes.

Qual a duração mínima de uma roda de Capoeira?

Não tem. Não tem. A Capoeira Angola pode durar 40 minutos, 10 minutos Eu já joguei 50 minutos. Uma hora. Já participei de roda que começava 9:00 horas da manhã e ia até umas 11:30, nós parávamos a roda para merendar, em seguida, íamos até o metrô, no Rio, 2 horas, 2 horas e meia e voltávamos para continuar a roda até as 12:30 da noite.


Em se tratando do “corrido”, é exatamente o momento onde desenvolve o jogo. É o tempo todo corrido.

Segundo Jonh Collier Jr., “o antropólogo é um caçador que levanta a sua câmara no momento exato, na parte mais significativa do processo, ou no ponto máximo da expressão não-verbal do sujeito humano...”

Nas sociedades, mais do que idéias ou regras, apreendem-se homens, grupos e seus comportamentos. Assim, vemos moverem-se como em mecânica, vemos massas e sistemas, ou como, no mar, vemos pedras e anêmonas. Percebemos multidões de homens, de forças móveis flutuando em seu meio e em seus sentimentos (MAUSS, 1974, p. 181).

Na cidade de Salvador, o meu destino era a Academia do Mestre Moraes, o GCAP ou Grupo de Capoeira Angola Pelourinho, localizado no Forte Santo Antônio Além do Carmo. Na entrada do Forte, os portões se abriram e entrei para conhecer o local. Surpreendo-me ao ver um senhor negro, já de idade avançada, sentado solitariamente por detrás de um balcão dentro de uma sala. É Mestre João Pequeno conhecido por sua cordialidade e profissionalismo na Capoeira. Esta entrevista com Mestre João Pequeno de Pastinha foi concedida em 23 de dezembro de 2002, no Forte Santo Antônio Além do Carmo, Pelourinho, Salvador, Brasil.


Fonte: Magno Rocha
Foto 5 – Mestre João Pequeno de Pastinha
Está com pouco tempo que estive no Ceará, mas não lembro a data e nem o mês. Respondendo a perguntado entrevistador, minha permanência não foi em hotel, pois fiquei na casa de pessoas e então fiz a composição da seguinte ladainha:


“... Se banhando nas águas apareceu
uma sereia
Foi lá, foi lá,
Foi lá que eu vi
Foi lá, foi lá
Se você tivesse lá também via...”

Mestre João Pequeno


Mestre João Pequeno é semi-alfabetizado e tem todo seu reconhecimento pautado na sua experiência, na vivência capoeirista. Pratica Capoeira desde o início da década de 1940. Completando 89 anos no dia 27 de dezembro de 2006, o clima em todo o mundo da Capoeira Angola é de festividade e alegria.

Uma das características mais fascinantes da personalidade do Mestre João Pequeno é sua memória. Tudo que ele dizia, podia repetir integralmente. Percebi isso em vários momentos. Em sua roda de Capoeira, o Mestre repete ritualisticamente cada elemento da roda, cada toque, cada palavra, abre e finaliza a roda da mesma forma que aprendeu sem esquecer uma linha.

Em seu “CD”, Mestre João Pequeno de Pastinha conta várias histórias que o vi repetir do meu lado, foram momentos mágicos, pois parecia que eu havia colocado o CD para tocar.

A forma como a Capoeira, enquanto técnica da cultura permeia todos os tecno-campos comunicativos, ou seja, o modo pelo qual se transmitem os ensinamentos da Capoeira já não se limita mais a volátil oralidade. Antes a única forma de uma pessoa aprender a Capoeira era vivendo cotidianamente com seu Mestre, e hoje assim nos fazem crer. Mas diferentemente do que se fala, hoje em dia, um aprendiz de Capoeira pode saber muito mais sobre esta arte e seus fundamentos do que um velho mestre. Isso não tira os méritos do velho mestre, pelo contrário, valoriza-o. Torna-o original, autêntico, verdadeiro. É o mestre em essência, em síntese. Sua sabedoria foi adquirida através do conhecimento tácito, de suas experiências, seus sucessos e seus erros. Suas interpretações vieram do seu raciocínio em cima de seus parcos recursos semânticos.

“...Na oralidade primária, a palavra tem como função básica a gestão da memória social...”. Assim é a Capoeira. Um pesquisador dae Capoeira encontra facilmente, livros, fitas, CD’s, revistas e sites por onde quer que ande, todavia, uns certos elementos viscerais, contagiantes, não são transmitidos por essas estradas da informação. Mesmo a gravação mais sentida de uma ladainha não tem o vigor e a profundidade da voz do mestre diretamente ao seu ouvido. Esse mistério que circunda a Capoeira, que nos põe em dúvida sua verdadeira origem, que joga com a verdade, que transforma a roda ora num ringue, ora num salão de festas, é o que leva a Capoeira a todos os lugares do mundo, desafiando todos os intelectuais e todos os atletas.

Mas ela faz isso por sua simplicidade, sua genialidade. É mens sana in corpore sano, mas não em latim, e sim num dialeto do corpo e somente através do corpo ela transmite os fundamentos de sua permanência e fortalecimento. Na realidade, se mede a qualidade de um capoeirista não pelo seu preparo físico, mas pela sua relação com seus alunos. Ter uma geração de alunos bons de Capoeira é ter forjado em suas memórias, juntamente com os movimentos e a ginga, a importância da justiça e da compreensão. É lembrar de seus ancestrais e ensinar a respeitá-los e a valorizá-los.

Tudo isso só se aprende na roda de Capoeira, ouvindo aquelas cantigas que mais parecem hinos, tocando instrumentos e jogando seu corpo ao sabor das ondas imateriais da música e da matéria viva de seu par, que nunca se sabe quando vai apenas dançar ou quando vai lutar. É um jogo que ganha quem não perder, e que se ninguém perder, todos ganham.

O corpo é o primeiro e o mais natural instrumento do homem. Antes das técnicas com instrumentos, há o conjunto de técnicas corporais. Tudo em nós todos é comandado. Temos um conjunto de atitudes permitidas ou não, naturais ou não. Esta adaptação constante a um fim físico, mecânico, químico é perseguida em uma série de atos montados, e montados no indivíduo não simplesmente por ele mesmo, mas por toda a sua educação, por toda a sociedade da qual ele faz parte, no lugar que ele nela ocupa (MAUSS, 1974, p. 218).


O Forte Santo Antônio Além do Carmo está em ruínas, mas lá funcionam diariamente duas Academias de Capoeira: o Centro Esportivo de Capoeira Angola, escola fundada por Mestre Amorzinho, mantida por Mestre Pastinha e continuada pelo Mestre João Pequeno, que funciona no térreo, segundo a foto número 6, e o Grupo de Capoeira Angola Pelourinho, fundada em 1983 por Mestre Moraes funcionando no andar superior.



Foto: Magno Rocha

Foto 6 – Forte Santo Antônio Além do Carmo

No Forte Santo Antônio Além do Carmo funcionou uma penitenciária municipal, abandonada na década de 1970 e ocupada em 1982 por Mestre João Pequeno que vem desde então lutando pela preservação e manutenção do Forte.


O teor da entrevista da professora e historiadora Zilda Costa Pain, concedida em 11 de dezembro de 2002, na sala de sua residência em Santo Amaro da Purificação, Salvador, Brasil, abrange sobretudo os mitos da Capoeira.


Foto: Magno Rocha

Foto 07 – Professora e historiadora Zilda Pain

Interrogada sobre um memorial, a professora apresentou a seguinte resposta.

Sou nascida e criada aqui. Sempre trabalhando neste lugar como professora. Sobre o memorial quem inaugurou foi a Prefeitura. Eu tenho bastante material porque desde pequena comecei a juntar papéis, documentos e fotografias de Santo Amaro. Mas isso como “hobby”. Mas chegou um ponto tal, que o Prefeito abriu um Memorial para abrigar todo esse material. Mas infelizmente não tem espaço ainda, nem estrutura adequada, o lugar é um pouco escondido. Não aparece ninguém porque encontra-se em uma rua um pouco distante.


E o material bibliográfico...

São livros, jornais, documentos, quase 4 mil fotografias. Eu tenho documentos de passaporte de uma escrava indo daqui para São Paulo – data de 1860; eu tenho jornais de 1882 que estão guardados em malas e armários. O meu desejo é que servisse como material de consulta. Mas infelizmente o espaço que me ofereceram é pequeno: são 3 salas sem lugar de assento, sem coisa nenhuma. Mas é um espaço aberto para ser visitado com horário de abertura e tudo mais.

E falando sobre os mitos da Capoeira, Besouro é mitológico, realmente?

Para mim, antes do professor Gerardo chegar lá em Fortaleza com a certidão de óbito de Besouro, ele era invenção de cabeça de capoeirista. Não, ele existiu realmente... Principalmente para a época, ele era... um ídolo. Ele era coisa não conhecida porque investia ou investiu na Capoeira. Quando todos corriam ele não tinha medo, pois teve a coragem de enfrentar e escapar de tudo, porque segundo as histórias ele tinha uma força sobrenatural e quando a polícia chegava, ele entrava num lugarzinho e desaparecia.


Dona Zilda Pain lembra-se de alguns acontecimentos que envolveram Besouro Cordão de Ouro, na região do Recôncavo Baiano que revelam o seu senso de justiça.

A historiadora contou que Besouro ia passando e tirou um amendoim de um vendedor. O sujeito sacudiu a mão dele com violência. Alguém que passava por perto gritou que aquele homem era o Besouro. O vendedor ficou com muito medo. Besouro largou o amendoim e chamou a molecada toda que passava pela rua para comer todo o amendoim. O vendedor ficou andando de um lado para o outro sem poder fazer nada e pensando no prejuízo. Quando a criançada acabou de comer todo o amendoim, Besouro pagou toda a despesa para a grande surpresa do vendedor.

Conforme Zilda Pain, tem muita coisa bonita sobre Besouro e ninguém vai contestar que é mentira, mas aparece até “sabidos” para dizer que o Besouro não existiu.

Quem conta um conto aumenta um ponto.

E aumenta às vezes dez pontos. Sua vida foi marcada sobretudo pelo abismo da incoerência – uma travessia perigosa. Entretanto, atravessou o seu tempo distribuindo pontos de luzes e sinais de força iluminando a vida da cultura negra, pois é encenado e cantado pelos capoeiristas de todos os tempos.

O entrevistador diz que conhece Besouro somente através da poesia e da música. Então ele aproveitava a liberdade poética para inventar, aumentar...

Na maior parte, os livros de Capoeira afirmam que Besouro morreu entre 27 a 32 anos, pois João Pequeno (2000, p. 20) afirma: “Besouro morreu com vinte e tantos anos ou trinta”.

A história de Besouro Cordão de Ouro contada pela historiadora era na realidade, a história de um justiceiro. Um negro capoeirista que viveu no início do século XX não temia nem os proprietários do lugar e morreu em 1924. É que a vida de Besouro transitava pelo discurso jurídico entre o desordeiro e o justiceiro que protegia os desfavorecidos.

Na realidade, conforme as informações de Zilda Pain, Besouro era temido em sua região e, de algum modo, representava a força do elemento negro que reivindicava o direito de existir e, conseqüentemente realizar suas práticas culturais e homenagear suas divindades.

Para encerrar a conversa, Dona Zilda Pain, canta uma música que retrata a mandinga, o corpo fechado e a naturalidade de Besouro.



Quem é você que acaba de chegar
Quem é você que acaba de chegar

Eu sou o Besouro Preto
Besouro de Mangangá
Eu vim de Santo Amaro
Vim aqui só pra jogar

Quem é você que acaba de chegar
Quem é você que acaba de chegar

Eu sou o Besouro Preto
Besouro de Mangangá
Ando com o corpo fechado
Carrego meu patuá

Quem é você que acaba de chegar
Quem é você que acaba de chegar

Eu sou o Besouro Preto
Besouro de Mangangá
Bala de rifle não pega
Que dirá faca de matar

Quem é você que acaba de chegar
Quem é você que acaba de chegar

Aqui em Maracangalha
Você não vai escapar
Contra faca de tucun
Ninguém pode se salvar

Quem é você que acaba de chegar
Quem é você que acaba de chegar


Olho de Gato, Rio de Janeiro.


Maracangalha é nome próprio designativo de um lugarejo no Estado da Bahia e famoso no mundo da Capoeira, devido as inúmeras façanhas do temível capoeirista Besouro e depois imortalizado pelo cancioneiro Dorival Caymmi, com o samba que foi o maior sucesso na época (REGO, 1968, p. 185).


Maracangalha

Eu vou pra Maracangalha
Eu vou
Eu vou de uniforme branco
Eu vou
Eu vou de chapéu de palha
Eu vou
Eu vou convidar Anália
Eu vou
Se Anália não quiser ir
Eu vou só
Eu vou só
Eu vou só

Eu vou só sem Anália
Mas eu vou.


Assim sendo, posso dividir em três etapas meu processo investigativo em Salvador: 1) o de reconhecimento da área e identificação dos Capoeiras; 2) o de sondagem de informantes com conhecimentos relevantes e conquista de confiança; 3) o de conversas sinceras com Mestres e historiadores da Capoeira.

A partir dos depoimentos, percebe-se que, em termos de estrutura ritual, a roda de Capoeira mudou muito pouco ao longo dos últimos cinqüenta anos, uma vez que a estrutura ritual que envolve a abertura, o desenrolar e o encerramento da roda tem sido mantida em seus aspectos fundamentais. As alterações mais significativas têm ocorrido na execução dos toques de berimbau, nas cantigas, nos instrumentos musicais utilizados e no jogo propriamente dito.

FACA DE TUCUM


Faca de tucum matou Besouro Mangangá
Faca de tucum matou Besouro Mangangá

Diz a história, que mataram seu Besouro
foi na Bahia, Santo Amaro em Salvador
morreu deitado dentro de rede de corda
de nada valeu mandinga, da traição não se salvou.

Faca de tucum matou Besouro Mangangá
Faca de tucum matou Besouro Mangangá

Corpo fechado, magia com reza forte
na vida não levava lição de ninguém
cordão de ouro, também chamado Besouro,
hoje joga Capoeira com os mestres do além

Faca de tucum matou Besouro Mangangá
Faca de tucum matou Besouro Mangangá

Dormi sonhando com o berimbau tocado
vejo uma roda com Besouro e Paraná
fico lembrando desses mestres do passado
sinto um desejo danado de Capoeira jogar.

Amâncio/ES

Na cidade de Fortaleza para marcar uma entrevista com o Cruzeta ou Chico do Berimbau fui à casa dele, no dia 24 de junho de 2006 às 16:00 horas local. Cheguei lá no exato momento em que a Argentina entrava em campo contra o México pelas oitavas de final da Copa da Alemanha que findou por 2 a 1 para a Alemanha.

Cheguei lá com meus dois filhos e uma verga de berimbau. Queria pedir a ele apenas um arame para colocar na verga mas acabei abusando e pedi uma cabaça, uma pedra e uma baqueta ou vaqueta. Aproveitei ainda para marcar uma entrevista para segunda-feira à tarde. Cruzeta é irmão de Querido e eles fazem parte da história da Capoeira no Ceará. São 5 (cinco) irmãos (Cruzeta, Querido, Maroca, Pica-Pau e Aramin) e todos jogam Capoeira desde menino. Todos, exceto o Cruzeta, moram ou já moraram no exterior, especialmente na Holanda.

O Cruzeta foi o único dos irmãos a optar pela confecção de berimbaus ao invés de ensinar a Capoeira, sendo o seu berimbau um dos mais valorizados do Ceará. Cruzeta, apesar do apelido é uma pessoa direita, gosta de surfar e andar de bicicleta com seus berimbaus e nunca, até hoje ouvi algum comentário desabonador a seu respeito.

Devido ao seu ímpeto desbravador e temerário costuma andar de madrugada pelas periferias de Fortaleza, seja vindo da casa de um amigo ou namorada ou resolvendo um negócio, ele nunca havia experimentado uma violência direta contra si. Sua sorte mudou quando num domingo, ainda 20:00 h da noite uma paulada acertou seu rosto e lhe furtaram a bicicleta na Avenida Francisco Sá com Carapinima, João Pessoa.

Cruzeta encontra-se recuperado dos ferimentos mas percebe-se sua indignação quando se fala neste assunto.

E a pesquisa avança.

No dia primeiro de julho de 2006, falei com o professor João Batista, o JB, Xanha, a respeito de uma entrevista e combinei também com o professor Dr. José Gerardo Vasconcelos uma entrevista.

Entretanto o período de Copa do Mundo atrapalhou um pouco o meu trabalho de pesquisa. O professor JB é uma referência no mundo da Capoeira da sua geração. Todos o conhecem e mantêm uma boa relação de amizade. Aproveitei a ocasião para pegar o telefone de contato do Cachorro D’água que tem um Projeto no Morro do Mucuripe.

O contato que mantive com Envergado não permitiu que trocássemos nenhuma informação pertinente apesar dele ter manifestado interesse pela pesquisa. Envergado faz parte das primeiras gerações de Capoeira do Ceará e é um representante importante do mundo da Capoeira.



Foto: Magno Rocha

Foto 08 – Professor João Batista agachado e capoeiristas



É Defesa Ataque


Capoeira
É defesa ataque
é ginga de corpo
é malandragem
Capoeira!

É defesa ataque
é ginga de corpo
é malandragem

O maculêlê é a dança do pau
Na roda de Capoeira
quem comanda é o berimbau
Capoeira!
É defesa ataque
é ginga de corpo
é malandragem
Capoeira!

É defesa ataque
é ginga de corpo
é malandragem

São Francisco Nunes Preto
velho meu avô
Ensinou para o meu pai,
mas meu pai não me ensinou
Capoeira!

É defesa ataque
é ginga de corpo
é malandragem
Capoeira!

É defesa ataque
é ginga de corpo
é malandragem

Se você quiser aprender
vai ter que praticar
Mas na roda de Capoeira
é gostoso de jogar
Capoeira!

É defesa ataque
é ginga de corpo
é malandragem

Capoeira!
É defesa ataque
é ginga de corpo
é malandragem



2.1 Capoeira Angola e Regional


Por meio das análises implementadas sobre os depoimentos dos Mestres de Capoeira, capoeiristas e da historiadora Zilda Pain podemos resgatar uma série de informações relevantes no que se refere aos fenômenos sociais da Capoeira.

Geralmente é estabelecido um corte que separa a Capoeira moderna de sua vertente tradicional, a saber, Capoeira Regional e Capoeira Angola. Esse tipo de abordagem, que normalmente trata a Capoeira Regional como uma forma descaracterizada pressupõe uma dualidade que não se verifica (VIEIRA, 1998).
A Capoeira criada pelo Mestre Bimba ficou sendo conhecida como “Regional” e é caracterizada por um método de ensino racional e a Capoeira “tradicional”, da qual Bimba saiu para fazer sua revolução passou a ser denominada “Angola”, e seu aprendizado é intuitivo e espontâneo.

Os mestres de hoje não se intitulam pregadores nem da Angola nem da Regional, mas de uma transcendência, uma média que é em parte das Capoeiras iniciais. Outros capoeiristas ainda acreditam que só existe uma Capoeira. No entanto, na Capoeira de hoje, o que se encontra é a fusão destas duas Capoeiras, conforme demonstração no quadro II.

Quadro II – As diferenças da Capoeira Angola e Capoeira regional

Capoeira Angola Capoeira RegionalOriginalDescaracterizada TradicionalModernaJogo baixoJogo altoJogo lentoJogo rápido Recreativa e maliciosaAgressiva e sem malíciaEnvolta em religiosidade e misticismoSecularizada e isenta de símbolos religiososIntegrada à cultura negraExpressão da dominação brancaPraticada pelas camadas sociais marginalizadasPraticada pelos estratos sociais médios e superioresFonte: VIEIRA (1998, p.88).

Na verdade, a proposta da Capoeira Regional elaborada por Mestre Bimba no início do século continha algumas das características acima relacionadas. No entanto, a presente pesquisa demonstrou que a atualidade da Capoeira com um intenso desenvolvimento de novas técnicas de jogo e treinamento e uma forte interação das academias de Capoeira, por meio de competições, rodas abertas, apresentações e seminários, não nos permite tratar o universo atual desta comunidade como cindido em Regional e Angola. A maioria dos capoeiristas prefere situar-se num ponto médio, entre os dois estilos, ou seja, uma mistura da Angola com a Regional.

Na opinião de Vieira (1998, p.89), “ao longo de sessenta anos de intenso processo de mudança cultural essas distinções se diluíram quase completamente, embora existam mestres verdadeiramente dispostos a defender as características próprias de seu estilo”.
2.1.1 Capoeira Angola


Dentre todos, foi Vicente Ferreira Pastinha, o Mestre Pastinha (1889-1891) o mais conhecido defensor da Capoeira Angola. Devido ao seu jeito gentil, acolhedor, bem-humorado, seus dotes de filósofo e poeta e seu profundo conhecimento sobre os fundamentos da Capoeira Angola ele reuniu um grande número de capoeiristas ao seu redor.

Impossibilitado de aprender com o Bimba comecei, por conta própria, a contatar outros mestres e conhecer outros redutos de capoeiragem. Foi assim que conheci eméritos capoeiristas e profundos conhecedores dos fundamentos do jogo, homens que deveriam estar capitaneando os rumos da Capoeira Angola, mas que por uma razão ou outra se mantiveram no anonimato. O capoeirista geralmente tinha o seu santo... no pescoço não dispensava patuás... e amuletos (MESTRE PASTINHA).


“Naquele tempo, à exceção de Bimba, não havia escola de Capoeira ia-se ao caramanchão tal, ao barraco de fulano e aprendia-se por observação. Não existia metodologia, não existia nada disso” (depoimento de Jair Moura in: Capoeira, 1992, p.102).

Pelo que se pode depreender dos depoimentos recolhidos, por meio das entrevistas realizadas, as antigas rodas de Capoeira, que por oposição à Capoeira criada por Mestre Bimba convencionou-se chamar de Capoeira Angola não tinha momentos de quebra de continuidade no ritual ou de mudança do toque do berimbau, como se faz atualmente. A velocidade do toque e a correspondente dinâmica do jogo eram constantes do início ao fim da roda.
Vieira (1998) menciona que o único momento que estabelecia uma certa ruptura era a chamada de Angola que consistia em uma interrupção do jogo em que um dos capoeiristas pára em pé, ou se desloca lentamente para a frente e para trás, com os braços abertos. O outro capoeirista deve aproximar-se, também lentamente e segurar a mão daquele que o “chamou” simulando o receio de receber um golpe traiçoeiro de pernas, mãos ou cabeça. De mãos dadas os capoeiristas caminham três ou quatro passos para a frente e para trás, até que um dos dois ameaça um golpe que provoca uma rápida esquiva e o reinício do jogo.
A chamada é uma filosofia do angoleiro, é a malícia do angoleiro. Porque hoje a humanidade se preocupa muito em ficar forte, em fazer artes marciais, em ficar atleta para jogar Capoeira. A Capoeira depende da técnica, malícia e sagacidade. Quando o camarada está muito brabo dentro da roda, quer bater, quer pisar, eu chamo ele. Ele vai atender do jeito que souber. Porque a violência do angoleiro não está em dar rasteira, nem pontapé, nem murro. A malícia do angoleiro está realmente nas chamadas (MESTRE PASTINHA, in VIEIRA, 1998, p. 108).


A chamada é um dos rituais mais característicos da Capoeira Angola. Embora sejam raríssimas as situações em que um capoeirista atinge o outro na chamada, existe toda uma ritualização em torno do perigo tentando proteger o corpo durante aa aproximação.

As rodas da antiga Capoeira Angola nos remetem a um universo social dotado de regras próprias e de uma ética muito peculiar caracterizada como ética da malandragem. Sendo a rua o seu locus preferencial, a manifestação da Capoeira Angola estava sujeita a toda uma gama de determinações sociais. A rua, enquanto esfera de significação social representa um espaço em que se diluem muitas das rigorosas normas que orientam a vida coletiva. A rua impõe uma subversão das hierarquias sociais colocando os indivíduos em um mesmo plano, independentemente das relações de poder estabelecidas em outros níveis (VIEIRA, 1998).

O espaço da rua, é um espaço marcado pela história e pela idéia de progresso com sua implacável linearidade. Nele somos sempre seres de uma temporalidade transformadora e pública, um tempo de somas e acumulações sociais que contrasta, sem que tenhamos consciência, com o universo de duração da casa (DAMATTA, 1991, p. 162).


2.1.2 Capoeira Regional


Manoel dos Reis Machado, Mestre Bimba (1900-1974) é considerado o maior responsável pela revolução a qual a Capoeira passou e que culminou na criação da Capoeira Regional. Mestre Bimba era um lutador conceituado, temido, admirado e respeitado.

Segundo os estudos de Capoeira (1992), Bimba nunca perdeu um desafio ou combate público. Além do mais, ele era cantor e percussionista admirável, sendo venerado por todos os seus alunos e discriminado por muitos artistas e intelectuais. Com o discurso que tiraria a Capoeira da marginalidade e que seria economicamente interessante, Bimba se propôs a ensinar Capoeira, “luta regional baiana”, para as classes mais abastadas. Ele abriu a primeira academia da história em julho de 1937 e tornou-se diretor de curso de educação física. Foi ele também o responsável pela instituição do primeiro sistema de graduação que consistia em lenços coloridos. De acordo com seu nível, o capoeirista colocaria em volta do seu pescoço um lenço de uma cor, ou seja, azul para o aluno formado; vermelho para o especializado e branco para o contra-mestre.

“A Capoeira sofreu mais uma transformação, embarcou na retórica do corpo” de Getúlio Vargas, trocou as ruas pelos recintos fechados das academias, saiu da marginalidade para a legalidade e deixou de ser um pouco um “teatro mágico” que representava a vida, deixou de ser uma filosofia da malandragem para se tornar mais acadêmico-desportiva. Mas, se por um lado ela perdeu, por outro ela ganhou, pois foi através das academias que se difundiu por todo o Brasil, e a partir de 1970 começou a ser ensinada na Europa e nos Estados Unidos (CAPOEIRA, 1992, p.80).


Então, observa-se que as categorias “Capoeira Angola e Capoeira Regional” estão fortemente impregnadas de conteúdo histórico. Muito dificilmente poderiam ser utilizadas para definir estilos atuais de Capoeira, no sentido de um conjunto de princípios técnicos, estéticos e rituais que orientam o jogo.

As academias e os capoeiristas da Regional descendem diretamente de Mestre Bimba, enquanto os angoleiros, em sua maioria, afirmam terem sido alunos de Mestre Pastinha ou de outros mestres famosos, como Caiçara, Canjiquinha ou Waldemar do Pero Vaz.

Assim, a utilização das expressões “Capoeira Angola” e “Capoeira Regional” ao longo deste trabalho, transcende de configurações históricas assumidas pela Capoeira, com características próprias, não sendo possível, dentro de nossa perspectiva de análise, a utilização dessas categorias para designar estilos ou correntes da atualidade.
A filosofia, o fundamento da Capoeira, a ótica do capoeirista, seu modo de encarar a vida, o mundo e os homens é cínica e objetiva: crua, irônica e bem-humorada; vital, poética e intuitiva. Paradoxo? No jogo da Capoeira, dança e luta, brincadeira e escola de sabedoria, os opostos se encontram e se mesclam... isto tudo é chamado malícia... está malícia flui e se manifesta, seu aprendizado é próprio e especial. É realizado no jogo com diferentes jogadores dentro da roda, ao som do berimbau, através dos anos. Não é algo que se possa racionalizar (CAPOEIRA, 1992, p. 121).


Segundo Damatta (1991, p. 59), Gilberto Freyre quando escreveu “Casa-grande & Senzala” e “Sobrados e Mocambos”, estava certamente estudando um dos espaços mais significativos de nossa estrutura social, espaços que reproduziriam em suas divisões internas a própria sociedade com seus múltiplos códigos e perspectivas.

Na realidade, a Capoeira Regional já nasceu dentro dos parâmetros do planejamento e do método, pois o Mestre Bimba, o criador da Capoeira regional distanciou-se das Festas de Largo e desenvolveu seu trabalho em academias e outros locais próprios para o treinamento da Capoeira.

Na concepção de Vieira (1998, p. 124), a própria expressão “treinamento” pressupõe a antecipação de uma situação futura envolvendo certo grau de previsibilidade, procedimento típico da mentalidade racional.













3 UMA INSTITUIÇÃO SOCIAL


3.1 A Capoeira – Um processo de estágio


No dia 20 de abril encontrei ocasionalmente o Armandinho, professor de Capoeira Angola, o único do Ceará, atualmente. Conversamos um pouco sobre a luta política interna da Capoeira e ele acabou dando umas informações para o meu trabalho de pesquisa. Recomendou-se procurar o Senhor Moraes, um dos mais tradicionais capoeiristas do Ceará, possivelmente da primeira geração de capoeiristas de Fortaleza.

No dia 24 de abril conversei com o João Batista, um grande amigo que além de professor de Educação Física e Capoeira é um dos incentivadores, o maior, deste meu projeto. A ida do JB comigo para o encontro com o Ratto não poderia ter sido mais providencial, pois ambos se conhecem desde a década de 1980, nos primórdios da Capoeira Brasil. Todos do Projeto Água de Beber conheciam o João Batista e percebi que eu não era mais apenas um estranho querendo fazer um estágio esquisito naquele Projeto.

Assim sendo, depois das formalidades e apresentações, o Rato nos convidou a subir para trocar idéias, pois lá existe um outro espaço que funciona como escritório com paredes forradas por cartazes e fotos de eventos realizados pelo Grupo Capoeira Brasil mundo afora. O Ratto foi muito receptivo e acatou muito bem as minhas idéias, algumas delas orientadas pelo João que explicou que eu poderia dar aulas sobre violência, drogas e sexualidade para o público do Projeto. Eu também pensava em dar aulas sobre educação ambiental, xadrez, sociologia e filosofia. De qualquer forma foi um excelente contato, pois o Rato mostrou-se interessado em facilitar o trabalho.

O Projeto é mantido por alunos do Grupo que promovem eventos na Europa e fazem intercâmbios dirigindo oficinas e cursos ao público do Projeto. Uma das ambições do Projeto, além de tirar crianças e adolescentes das ruas é tornar a Fundação auto-suficiente. Para isso estão pretendendo adquirir algumas máquinas de costura que serão operadas pelas mães dos garotos do projeto no intuito de produzir roupas de Capoeira (abadás e camisas) inicialmente.

Uma outra informação que Ratto apresentou foi que uma das exigências da Fundação Água de Beber é que os alunos têm por obrigação não apenas estar regularmente matriculados na escola, mas têm o dever de passar de ano sob pena de não poder participar do batizado, evento que promove o capoeirista a uma nova graduação e que é uma das maiores ambições dos capoeiristas mais jovens.

Depois dos primeiros contatos com o Mestre Ratto e sua Fundação Água de Beber solicitei o Termo de Compromisso para o Mestre assinar. Dessa forma estaria formalizada a parceria entre minha pessoa, enquanto estudante, a professora Elza Maria Franco Braga, orientadora da disciplina Estágio Supervisionado da Universidade Federal do Ceará e a Fundação Água de Beber.

Portanto, logo na parte da tarde e munido de todos os papéis saí em direção ao Riacho Doce. Liguei na intenção de comunicar minha ida e descobri que o Mestre Ratto encontrava-se na Venezuela com o vôo de volta cancelado pela Varig. Na sua ausência o responsável pelo Projeto seria o aluno graduado Maxwell, que para minha surpresa estaria na Áustria. Nesse caso o projeto estaria sendo conduzido por um outro aluno que não era do meu conhecimento.

Riacho Doce é uma comunidade que fica situada no bairro de nome Jardim União. A escola é nova, tem 4 ou 5 anos e encontra-se bastante conservada. Muitas crianças e adolescentes além dos funcionários e professores. O professor Lagartixa, apelido do professor Expedito, apresentou-me a turma e pediu para que eu falasse aos alunos sobre a minha pesquisa. Foi lindo! Falei um pouco sobre minha experiência na Capoeira, meus interesses, a história geral da Capoeira e a prática pedagógica do professor, do respeito aos rituais e às pessoas dentro e fora da roda de Capoeira. Falei até ser interrompido por Lagartixa quando ele explicou ter sido a Guerra do Paraguai a grande responsável pela proliferação da Capoeira. Concluí dizendo que a Capoeira não pára, quem faz a história somos nós, portando cabe a cada aluno, a cada professor a responsabilidade de criar e estudar esta arte/luta/dança/esporte/trabalho que é a Capoeira. E encerramos a conversa coletiva para iniciar o treino que foi muito divertido.
Diante de todos o meu percurso e os meus percalços, nessa Fundação Água de Beber desenvolveu-se meu estágio como aluno do Curso de Ciências Sociais, e que faz parte da minha história e das especificidades da Capoeira no Ceará.


3.2 A Fundação Água de Beber


O Projeto da Fundação Água de Beber surgiu da sensibilidade aos problemas sociais ocorridos na comunidade Riacho Doce. Sendo uma área considerada de vulnerabilidade social caracteriza-se por vários problemas urbanos, tais como falta de saneamento, carência no tratamento do lixo, alto índice de desemprego e pobreza, precário abastecimento de água e esgoto, doenças, infra-estrutura caótica, baixo índice de alfabetização, enfim um buraco negro de uma estrutura social e urbana desprotegida da maioria dos equipamentos do poder público.

A Comunidade do Riacho Doce fica localizada entre o bairro Jardim União, sendo oficialmente parte dele a favela da Rosalina a 20 km do centro de Fortaleza. Como base de apoio cultural para eventos existe o Espaço Cultural Água de Beber, um galpão estilizado, localizado na Praia de Iracema, onde se realizam aulas diárias, eventuais batizados, festas, cursos e encontros. No espaço cultural os alunos do Núcleo Riacho Doce participam como estagiários dos professores-responsáveis ou auxiliares em tarefas relacionadas à Fundação.

Uma das tarefas enfrentadas pela Fundação é a pesquisa e o ensino da cultura brasileira dando importância a matriz afro-descendente.

A música da Capoeira é repleta de ensinamentos que instigam a imaginação e reforçam o signo da representatividade. O trecho a seguir faz parte de uma música creditada ao Grupo Capoeira Brasil:






Se você faz um jogo ligeiro
Dá um pulo pra lá e pra cá
Não se julgue tão bom Capoeira
Que a Capoeira não é tão vulgar
Para ser um bom capoeirista
È pra ter muita gente que lhe dê valor
Você tem que ter muita habilidade
Tocar instrumento ser bom professor
O Capoeira faz chula bonito
Canta um lamento com muita emoção
Quando vê o seu mestre jogando
Sente alegria no seu coração
Ele joga Angola miudinho
Se a coisa esquenta não foge do pau
Tem amigo por todos os lados
Um grande sorriso também não faz mal.

Isso é coisa da gente
Ginga pra lá e pra cá
Mexe o corpo ligeiro
A mandiga não pode acabar.



Foto: Magno Rocha

Foto 09 - Sala de Aula da Fundação Água de Beber

Sendo a Capoeira uma instituição social culturalmente construída como identidade nacional, a Fundação também promove eventos que visam divulgar aspectos culturais, estimular a prática de esportes e lançar mão de conceitos de bem-estar social. Por meio de uma visão cooperativa e educativa a Fundação Água de Beber faz oficinas de percussão, espetáculos de Capoeira, apresentações de música, dança afro, maculelê e oficinas de instrumento. Os grupos de estudo são formados para dar aos participantes do projeto uma visão contextualizada da Capoeira e do mundo do trabalho colocando a Capoeira como um motivador e uma perspectiva de futuro para o menor da periferia.

Além disso, o projeto conta com várias máquinas de costura que são disponibilizadas para as mães dos participantes que queiram confeccionar calças e camisas de Capoeira para vender, sendo uma parte do produto de vendas para reaplicação na Fundação gerando assim uma economia autogestora.

O público alvo do projeto são crianças e adolescentes pertencentes a famílias de baixa renda (de zero a três salários mínimos) em situação de vulnerabilidade social, sendo as únicas exigências estarem matriculados numa escola. Nesse sentido, o Projeto da Fundação Água de Beber se integra ao que se convencionou chamar de iniciativas da sociedade civil organizada. Designada pelo nome de Terceiro Setor, este seguimento da sociedade é por excelência o lugar de prestações de serviços dinâmicos e flexíveis. A Fundação Água de Beber se arvora capaz de garantir através de suas ações comunitárias, certezas e seguranças necessárias para redução dos riscos e danos sociais. Na prática, é como afirma a professora Vera da Silva Telles (1999, p. 100), “um lugar politicamente construído – lugar de ação, da intervenção e da invenção, da crítica, da polêmica e do dissenso...”

Há dez anos o professor de Capoeira Robério Batista de Queiroz, vulgo Ratto, começou a dar aulas de Capoeira na casa de seu irmão, situada no Riacho Doce. Aproveitou o espaço do quintal e abriu a possibilidade para que as crianças da região viessem treinar e aprender a cultura da Capoeira. Os resultados favoráveis quanto a atitude dos alunos em relação aos estudos e a família levaram o Mestre Rato à elaboração de um Projeto mais consistente de incentivo à educação e à integração social. Criou-se então o NAJF – Núcleo de Arte Jogando com o Futuro que logo se transformaria na Fundação Água e Beber.
Mestre Ratto, na época vinculado ao Grupo Capoeira Brasil alugou um galpão na praia de Iracema com a intenção de dar continuidade a seu Projeto e ter uma base para apresentações e eventos do Grupo Capoeira Brasil e da Fundação Água de Beber. Denominou o galpão de Espaço Cultural Água de Beber, localizado na rua Senador Almino, número 215, onde coletivamente decoraram e estruturaram o espaço para a prática da Capoeira e o ensino de percussão, música etc.

Mestre Ratto é um professor muito querido e respeitado e muito de seus alunos encontram-se ensinando Capoeira fora do Brasil, especialmente na Holanda. O vínculo de professor-aluno na Capoeira permitiu ao Mestre Ratto uma coordenação junto aos seus alunos no exterior, de eventos, batizados, exibições, shows que promovem a vinda de alunos estrangeiros e a ida de alunos locais para lá, o que facilita uma troca de informações valiosas além de motivar os alunos mais carentes a ambicionar uma profissionalização na arte da Capoeira.

Assim sendo, a Fundação Água de Beber através de seus ofícios permite aos membros do projeto a intersecção fundamental ente três setores básicos da esfera humana: o ensino fundamental, a ação comunitária e a qualificação profissional. Os alunos e demais envolvidos no Projeto (professores, pedagogos, psicólogos, dentistas, profissionais liberais e outros) são preparados prioritariamente para a prática da Capoeira que estimula, entre outras coisas, o desenvolvimento psicomotor, habilidades físicas relacionadas ao equilíbrio e aos movimentos do corpo, à percepção musical e à criatividade.

Dos vários contatos obtidos com as pessoas envolvidas com o projeto saíram boas histórias, novas amizades e relações afetivas que incentivaram a continuidade dos trabalhos e da parceria mesmo após o final do estágio.

Todavia, a maior dificuldade e a causadora dos piores momentos do estágio foi a esfera econômica do pesquisador. Os problemas quanto à falta de recursos para a comunicação com os interlocutores do projeto, os escassos modos de locomoção, devido ás distâncias dos Núcleos não foram suficientes para interromper a vontade da prática e dos momentos de audácia motivados por circunstâncias que Malinowski chamou de “imponderáveis da vida real”.

Depois de superadas as maiores dificuldades, depois de realizadas as responsabilidades confiadas, surge o final do estágio supervisionado. Mesmo assim, gratificante, instigante e apaixonante. Diante da dureza do dia-a-dia enfrentada por todas aquelas crianças, das dificuldades que permeiam a existência material de quase todos que o cercam, a ONG sem fins lucrativos Fundação Água de Beber semeia a esperança regando a cultura da responsabilidade social.

Superando a rasa consciência individualista, mestre Ratto e seus assessores cultivam o bem mais ético possível: o ser humano total. Preocupados com a redução da marginalidade a que estão expostos os alunos do Projeto com intuito de incluí-los nas engrenagens do mercado capitalista, para torná-los alguém no mundo da produção e do consumo, para trazer-lhes a dignidade prometida pelos representantes do Estado, a Fundação Água de Beber fornece a opção pela profissionalização. Essa espécie de dimensão civil do Estado, como diria Marco Aurélio Nogueira nos fornece um grande exemplo de como com boa vontade e perseverança podemos mudar favoravelmente o mundo ao nosso redor. Esta é a lição aprendida com o Mestre Ratto que com sua competência e carisma vem fazendo a brincadeira legal de profissionalizar quem não tem profissão.

Assim sendo, na conclusão desse Estágio nasceu o tema desse meu trabalho monográfico, pois segundo C. Wright Mills (1999, p. 12) “nenhum estudo social que não volte ao problema da biografia, da história e de suas interligações dentro de uma sociedade, completou sua jornada intelectual...”










CONSIDERAÇÕES FINAIS


A pedagogia da Capoeira está ligada ao lazer, à recreação, à brincadeira: a malandragem e a vadiação. Supõe-se com freqüência que a vadiação está diretamente relacionada à falta de caráter e a permissividade da personalidade do indivíduo ou ainda falta de moral e ética duvidosa.

No entanto, o praticante de Capoeira encontra-se frente a infinitas possibilidades de combinações de movimentos que precisam ser encaixados numa rotina relativamente hermética, disciplinar, quase sempre ritualista. A Capoeira precisa então, fazer parte do cotidiano para fazer emergir seus efeitos, ou seja, efeitos em toda amplitude psicossomática do indivíduo e para além do organismo.

Na teoria de Mauss (1974, p. 179), a Capoeira é um fato social total, sendo portanto, composta de instituições sociais inter-relacionadas e estruturada segundo uma lógica própria, derivada da cultura e da identidade.

Dessa forma, a análise relacional das estruturas sociais e funcionais da Capoeira se apresentou como o método mais viável para a abordagem do tema. A Capoeira, assim como outros esportes definem um estilo de vida, isto é, conceitos, práticas, desejos e referências comuns povoam os indivíduos envolvidos nessa cultura cada vez mais heterogênea. Identificar a homogeneidade que rege e regula as relações dentro desta cultura se revela o caminho metodológico mais apropriado para expor as implicações sociais que o fenômeno da Capoeira introjecta na sociedade.

A história social da emergência da Capoeira, do trabalho coletivo, como por exemplo, o realizado na Fundação Água de Beber e na luta para o reconhecimento de problemas oficiais e públicos.

Neste trabalho foram observadas e descritas as especificidades da Capoeira no Ceará, por meio de entrevistas com Mestres da Capoeira, pesquisadora e historiadora como Zilda Pain, além da revisão de literatura obtida através dos autores citados nas referências bibliográficas que favoreceram a busca de mais conhecimentos a respeito da origem e da história da Capoeira.

Observa-se, então que, muitos casais se conhecem na Capoeira. Muitos negócios e laços de amizade são possíveis graças a rotina dos treinos da Capoeira. De acordo com as entrevistas e falas dos Mestres de Capoeira e também da observação da rotina dos capoeiristas observa-se que existe toda uma etiologia de signos que representam os tipos de capoeiristas, entretanto destaca-se dois extremos no âmbito desse trabalho:

- o capoeirista profissional
- o capoeirista de rua

Aquele, dedicado, compromissado em ensinar a Capoeira a qualquer custo. Ele sabe que é importante e tem o dever e o direito de fazê-lo. Este quer só “tirar onda”, brincar, jogar, ou seja, alguém vai perder e alguém vai ganhar.

Como define Damatta (1991), a malandragem é um estigma desde muito tempo associado à identidade do brasileiro, com tendência e suposição de que a malandragem faz parte de um suposto caráter nacional. Desde a música, às artes plásticas, os modelos econômicos, tudo na realidade brasileira faz, de alguma forma, referência a este espírito malandro da cultura brasileira. Justificado na combinação das miscigenações, a malandragem, vista como falha de caráter, ganha contorno de virtude e de orgulho próprio.

No dizer de Damatta (1978), quem não se alegrou pelo jeitinho brasileiro alguma vez?

Na Capoeira é instinto de sobrevivência. O conceito de malandragem na Capoeira faz referência ao “bom malandro” idealizado na literatura e na música. É o homem corajoso e justo que, como todo mundo, tem algum defeito.

Ao finalizar este trabalho sinto-me realizado e feliz por ser capoeirista e ter cursado Ciências Sociais, a meu ver, o único Curso das Ciências Humanas que me permitiria trabalhar com tanta liberdade em uma monografia o tema “Capoeira”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ALMEIDA, Raimundo César Alves de (Itapoan) A saga do mestre Bimba. Salvador: Ginga Associação de Capoeira, 1994.

ALMEIDA, Ubirajara Guimarães. Água de beber, Camará! Um bate-papo de Capoeira. Salvador: EGBA, 1999.

AYROSA, Plínio. Termos tupis no português do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1937.

BARROSO, Gustavo. Terra do sol. 5. ed. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1956.

BOLA SETE, Mestre. A capoeira angola na Bahia. 3. ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.

CAPOEIRA, Nestor. Capoeira: fundamentos da malícia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.

CARNEIRO, Édison. Dinâmica do folclore. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1965.

_______. Capoeira. Folguedos tradicionais. Rio de Janeiro. Conquista, 1974.

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1962.

CASSIRER, Ernst. O mito do estado. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

________. A casa e a rua. Espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991.

DEBRET, Jean Baptiste. Viagem pitoresca e história ao Brasil. 3. ed. São Paulo: Martins, 1954.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da língua portuguesa. 6. ed. Curitiba: Posigraf, 2004.

GENNEP, Arnold Van. Os ritos de passagem. Petrópolis. Vozes, 1977.

HOBBES de Malmesbury, Thomas. Os Elementos da Lei Natural e Política. Tradução, apresentação e notas de Renato Janine Ribeiro. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 7. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986.

LESSA, Claro Ribeiro. Vocabulário de caça. Termos clássicos portugueses. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1944.

LIMA, Luiz Augusto Normanha. Mestre João Pequeno: uma vida de capoeira. São Paulo: UNESP, 2000.

MALINOWSKI, Bronislaw Kasper. Uma teoria científica da cultura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975.

MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Edusp, 1974.

MILLS, C. Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

PAIN, Zilda. Relicário popular. Salvador: Secretaria de Cultura e Turismo, EGBA, 1999.

REGO, Waldeloir. Capoeira angola: ensaio sócio-etnográfico. Salvador: Ed. Itapoá, Coleção Baiana, 1968.
RUGENDAS, João Maurício. Viagem pitoresca através do Brasil. 5. ed. São Paulo: Livraria Martins, 1954.

SILVA, Gladson de Oliveira. Capoeira: do engenho à universidade. São Paulo: CEPEUSP, 1993.

SILVA, José Gilmário Matias da (Mestre Tigrão). Capoeira, herdeiros do cativeiro. Minas Gerais: Art Contemp, 1994.

TELLES, Vera da Silva. A nova questão social brasileira: ou como as figuras de nosso atraso viraram símbolo de nossa modernidade. In: Caderno CRH, n. 30, jan./dez, Bahia, 1999.
VIEIRA, Luiz Renato. O jogo da capoeira. 2. ed. Rio de Janeiro: Sprint, 1998.

WEBER, Max. Sobre a teoria das ciências sociais. Tradução de Carlos Grifo Babo. 2. ed. Lisboa: Presença, 1977.

























ANEXOS
















































Ares significa modo especial de ser, de agir, modos, segundo FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da língua portuguesa. 6. ed. Curitiba: Posigraf, 2004, p. 134.
 Denominou-se Quilombo dos Palmares devido a zona ser repleta de palmeiras.
 Rasteira: O Capoeira, meio sentado no chão, apóia-se nas mãos e descreve um arco com uma das pernas, de maneira a bater no calcanhar do companheiro, fazendo-o desequilibrar-se.
 Rabo d’arraia: Com as mãos no chão, o capoeira atira ambas as pernas (mais ou menos em ângulo reto com o corpo) contra os calcanhares do parceiro, promovendo a sua queda.
 Aú: flexionando o corpo, as mãos no chão, o capoeira descreve no ar um semicírculo com os pés, voltando à posição ereta a dois metros do ponto em que se encontrava antes.
 Meia-lua: Fazendo pião num dos pés, o capoeira distende a perna, em ângulo reto com o corpo, e gira na direção do comparsa.
 Chapa-de-pé: O capoeira distende a perna de maneira a alcançar, com a planta do pé, a cabeça ou o peito do oponente.
 Bananeira: Apoiado nas mãos, as pernas para cima, o capoeira atira os pés contra o rosto ou o peito do contendor.
 Chibata: em movimento semelhante ao aú, o Capoeira desfere, do alto, uma das pernas, retesada, sobre o adversário.
 Tesoura: Estando o “camarada” de pé, o capoeira se joga ao comprido no chão de modo a prender-lhe as pernas, lateralmente, entre as suas, derrubando-o.
 Escorão: A planta do pé no ventre do contrário, parece uma variante da chapa-de-pé. Pertence ao mesmo gênero a calcanheira (golpe de calcanhar).
 Música de Baden Powell e letra de Vinicius de Moraes, interpretada por Nara Leão.
 João Oliveira dos Santos, Mestre João Grande, PhD Honóris Causa da Universidade de UPSALA. Um dos principais discípulos do Mestre Pastinha sendo seu Contra-Mestre. Por mais de 40 anos o Mestre João grande tem praticado e ensinado Capoeira Angola. Ele viajou para África, Europa e América do Norte, onde ensina atualmente, em sua academia na cidade de New York. De lá ele continua mantendo o intercâmbio com a Bahia e acompanhando a movimentação da Associação Brasileira de Capoeira Angola.
 Mestre Pastinha descende de pai espanhol e mãe baiana, foi batizado em 1889 com o nome de Vicente Joaquim Ferreira Pastinha, na cidade de Salvador, na Bahia. Conta-se que o princípio de sua vida na roda de capoeiragem aconteceu quando tinha 8 anos, sendo seu mestre o africano Benedito, o que ao vê-lo apanhar de um garoto mais velho, resolveu ensinar-lhe as mandingas, negaças, golpes, guardas e malícias da Angola. O resultado veio logo aparecer, pastinha nunca mais fora importunado por ninguém. Mestre Pastinha serviu na marinha de Guerra do Brasil, onde permaneceu por um período de 8 anos. Mestre Pastinha de tudo fez um pouco: trabalhou como pedreiro, pintou, entregava jornais, tomou conta de casa de jogo, no entanto, o que mais gostava de fazer era ensinar “a grande arte”. Pastinha conhecia a capoeira, sabia como era importante continuar aquela cultura, aconselhava que era preciso ter calma no jogo “quando mais calma melhor para o capoeirista”. Sabia muito bem os fundamentos e os segredos existentes na capoeiragem, cantava, tocava os instrumentos e ensinava como um verdadeiro mestre deve fazer. Pastinha foi nas rodas de capoeira um autêntico mestre, um bamba na luta (SILVA, 1994, p.23).
 Podemos dividir a música em duas partes: a primeira referente aos toques de berimbau: São Bento Grande, Santa Maria, Banguela, Amazonas, Cavalaria, Idalina e Iúna. A rigor cada toque tem um significado e representa um estilo de jogo. São Bento Grande é um toque que tem ritmo agressivo, indica um jogo alto com golpes aprimorados e bem objetivos, um jogo duro. A Benguela é um toque que chama para um jogo compassado, curtido, malicioso e floreado. Cavalaria é o toque de aviso, chama a atenção dos capoeiristas que chegou estranhos na roda, outrora avisava da aproximação de policiais. Iúna é um toque especial para os alunos formados por Mestre Bimba, incita um jogo amistoso, curtido, malicioso e com a obrigatoriedade do esquente. Santa Maria, Amazonas e Idalina são toques de apresentação.
 Mato ralo compreende todo e qualquer mato de medíocre estatura, quer se desenvolva em roças abandonadas, quer substitua a mata virgem que se derrubou, qur enfim cubra terrenos onde não haja vestígios quaisquer nem de roças nem de matas primitivas. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da língua portuguesa. 6. ed. Curitiba: Posigraf, 2004, p. 542.
 O berimbau verdadeiro deve ser feito com madeira certa, tirada no meio da mata durante a lua apropriada. O capoeirista necessita paciência para esperá-la secar por vários dias. Depois irá descascá-la com um caco de vidro e preparar a verga fazendo uma ponta rombuda no seu lado mais grosso como se estivesse apontando um lápis de cor (ALMEIDA, 1999, p. 74).
 Manoel dos Reis Machado, Mestre Bimba é distinguido como um mestre fundador da capoeira, um guia para seu destino. Nasceu em 23 de novembro de 1900, no bairro de Engenho Velho de Brotas, em Salvador, Bahia, filho de Luís Cândido Machado, famoso campeão baiano de batuque e de Maria Martinha do Bonfim. Foi carvoeiro, trapicheiro, carpinteiro, mais principalmente capoeirista, MESTRE DE CAPOEIRA, condição adquirida por reconhecimento popular e pelo respeito da sociedade, numa época em que a perseguição as manifestações da cultura negra era muito intensa e perversa (SILVA, 1994, p.27).
 O desenho de Rugendas (1954) intitulado “Brinquedo Guerreiro dos negros” e os famosos desenhos de um cego segurando um arco monocórdico pintado por Debret (1954).
 O pandeiro serve para acompanhar o berimbau. Existem algumas variações para o seu acompanhamento. Toca-se mais lento ou rápido e existem tocadores de pandeiro que fazem variações no tocar. Fica bonito e dá sensação de que realmente quem está no pandeiro domina e conhece bem o instrumento.
 O atabaque, instrumento de origem indígena, desde cedo usado na Capoeira tinha outro formato. Sua finalidade é marcar o toque do berimbau e do pandeiro. A utilização do atabaque encontra a resistência dos mestres mais antigos porque esse instrumento produz um som alto que impede o capoeirista de distinguir o toque que está sendo executado pelo berimbau que possui uma linguagem própria na roda da Capoeira (VIEIRA, 1998, p.106).
 Ladainhas são quadras com versos compostos de 4 a 6 linhas.
 João Pereira dos Santos, Mestre João Pequeno. Aluno do Mestre Pastinha e um dos mais antigos e importantes Mestres de Capoeira Angola em atividade. Pela Academia do Mestre João Pequeno, no Centro Histórico de Salvador, passaram alguns dos principais angoleiros da nova geração.
 Manoel Henrique Pereira, o Besouro, nasceu em Santo Amaro, filho de João Matos Pereira e Maria José. O mais ladino e malicioso capoeirista da Bahia. Mestre de Capoeira no exército de onde se desligou depois da guerra. Não conhecia o medo, vencia a polícia dando pernadas e rabos de arraia com seus famosos saltos acrobáticos. Foi frio e covardemente golpeado em Maracangalha num lugar de nome Quimbeca. Veio para Santo Amaro em canoa, ficando no porto em frente a loja nova, até que foi transportado para a Santa casa de Misericórdia onde faleceu aos 32 anos de idade (PAIN, 1999, p.32)
 Mestre Waldemar conduziu por muitos anos a roda de Capoeira mais famosa em Salvador, no bairro da Liberdade. Opondo o aprendizado informal, de sua época aos treinamentos de capoeira nas academias atuais, exclamou: antes era ao ar livre, depois eu fiz um barracão de palha e os capoeiristas da Bahia vinham para cá, para jogar.

PAGE 







PAGE 71